TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

548 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL domínio jurídico-público, seja a proibição de venire contra factum proprium , a adoção de um comportamento contraditório com outro anterior (que a common law também proíbe, sob a designação de estoppel ). Ora, não faz sentido imputar ao Governo em funções em 2012 um padrão antiético de conduta por ter derrogado temporariamente um regulamento que o(utro) Governo deixou que o órgão de gestão da CP adotasse trinta e cinco anos antes. A simples alteração das circunstâncias em período tão dilatado – a que se somou o contexto económico-financeiro a que se encontrava condicionado o OE para 2013 – inviabiliza tal imputação. Ou seja: também a alegação de violação do princípio da boa fé improcede. 11. Passamos a escrutinar o princípio da igualdade. Cientes de que tal não é possível a não ser numa base comparativa – é-se igual ou distinto de outro alguém –, os recorrentes comparam os afetados, trabalhadores dos transportes públicos rodoviários, ferroviá- rios e fluviais, com: a) Os demais cidadãos; b) Os trabalhadores de outros meios de transporte público, designadamente, o aéreo e o marítimo; c) Os gestores das empresas transportes públicos rodoviários, ferroviários e fluviais. Estas comparações fazem pouco ou nenhum sentido. Desde logo, os «demais cidadãos», tanto quanto se sabe, nunca disfrutaram de concessões de viagem na CP (em geral, porque alguns grupos cidadãos, como os magistrados, beneficiam de vantagens nos transpor- tes, mas por razões de distinta natureza, decorrentes da especificidade das funções que exercem). Qual foi então a «penalização» dos trabalhadores dos transportes públicos rodoviários, ferroviários e fluviais relativa- mente a esses «demais cidadãos»? Quanto aos trabalhadores de empresas de transporte público aéreo ou marítimo, também se ignora se gozam, ou gozaram, de concessões semelhantes feitas pelas suas empresas. Como comparar? No que respeita aos gestores das empresas de transportes públicos rodoviários, ferroviários e fluviais, igualmente se ignora se gozam de concessões de viagem. Todavia, ainda que tal suceda, as razões terão segura- mente a ver com o seu “pacote remuneratório” e emergem da necessidade de atrair os mais competentes para o exercício de funções da mais elevada responsabilidade, não sendo generalizáveis a todos os trabalhadores. Por último, é indispensável ter em conta que a expressão «trabalhadores dos transportes públicos rodo- viários, ferroviários e fluviais» não pode iludir que as concessões de viagem, onde existiam, se referem a cada empresa e aos respetivos trabalhadores. Isto evidencia que a concessão de viagem não apresenta um funda- mento racional claro, nada tendo a ver, designadamente, com o setor de atividade: o trabalhador da CP – e o respetivo agregado familiar – usufruíam de viagens gratuitas na CP, e só na nesta empresa, apenas porque aquele trabalhava para a CP. Nada mais. 12. O princípio da igualdade, ao determinar que deve ser tratado igualmente aquilo que é igual e desi- gualmente aquilo que é desigual, não contém, reconhecidamente, um critério material suscetível de fundar um juízo de valor sobre a igualdade ou a desigualdade. Para Gomes Canotilho, esse critério material pode ser assim sintetizado: «existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável» ( op. cit, p. 428). À luz destes fatores de “iluminação” do critério material da igualdade ou da desigualdade, torna-se impossível apurar a existência de uma «violação arbitrária da igualdade jurídica», pois nem mesmo se sabe se existe diferenciação, quanto mais se esta, a existir, tem um fundamento sério. Improcede, pois, a alegação de ofensa do princípio da igualdade.

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