TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

549 acórdão n.º 634/15 13. Passemos à suposta violação do direito de negociação coletiva, garantido pelo n.º 3 do artigo 56.º da CRP. Tal decorreria, recorda-se, da circunstância de o regulamento de concessões de viagem se encontrar habilitado por norma de convenção coletiva de trabalho. Em causa está, evidentemente, uma eventual ofensa do direito de contratação coletiva, na vertente do direito à autonomia contratual coletiva, que imporia a existência e o respeito por uma reserva de convenção coletiva, reserva esta que teria sido atingida pela norma legal sob escrutínio. A CRP, no n.º 3 do artigo 56.º, garante o direito de contratação coletiva «nos termos da lei». O Tribu- nal já teve oportunidade, por várias vezes, de se pronunciar sobre o significado desta remissão. No Acórdão n.º 517/98 prevaleceu o seguinte entendimento: «(…) Isto, porém, não significa que a lei possa esvaziar de conteúdo um tal direito, como sucederia se regula- mentasse, ela própria, integralmente as relações de trabalho, em termos inderrogáveis pelas convenções coletivas. Significa apenas que a lei pode regular o direito de negociação e contratação coletiva, delimitandoo ou restringin- doo , mas deixando sempre um conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação. Ou seja: pelo menos, a lei há-de “garantir uma reserva de convenção coletiva”. (…) o artigo 56.º, n.º 3, da Constituição, ao remeter para a lei, constitui credencial bastante para que a lei possa restringir o referido direito de contratação coletiva. Questão é que (…) se não atinja o seu conteúdo essencial e que as restrições se apresentem necessárias para a salvaguarda de outros direitos e interesses.» Esta jurisprudência foi sendo reafirmada ao longo do tempo noutros arestos, com destaque para os Acórdãos n. os 391/01, 602/13 e 260/15. Neste último escreveu-se: «De um ponto de vista operativo, tal implica que as restrições a introduzir no direito à autonomia contratual coletiva não possam, por um lado, atingir o “conteúdo essencial” desse direito, assim materialmente delimitável, e devam, por outro, apresentar-se “necessárias para a salvaguarda de outros direitos e interesses” (cfr. Acórdão n.º 517/98), permitindo que à imperatividade do regime legal de que em concreto se trate possam ser associadas ponderosas “razões de ordem pública” (cfr. Acórdão n.º 94/92).» 14. Sucede que a norma legal que aqui se aprecia não tem o efeito de derrogar normas convencionais, menos ainda de fechar à contratação coletiva futura a matéria de concessões de viagem na CP. Na verdade, ela nem mesmo atinge a norma convencional que serviu de habilitação, que ficou incólume. O seu efeito é, tão-só, o de impedir a produção de efeitos das normas do regulamento editado ao abrigo da norma conven- cional durante o ano de 2013. A formulação da disposição é elucidativa e sugestiva, pois nem menciona tais normas: «É vedada a utilização gratuita (…)». Repete-se: não se derroga o regulamento, tão pouco a norma convencional habilitante. Se ainda fosse preciso acrescentar algo para confirmar que não estamos perante uma violação do direito de contratação coletiva, sempre se diria que, por um lado, as concessões de viagem, enquanto benefícios complementares em espécie de mais do que duvidosa natureza retributiva, dificilmente poderiam integrar o conteúdo essencial do direito de contratação coletiva; por outro lado, que, no contexto económico-finan- ceiro da época, descortinam-se razões de ordem pública que justificam a medida de suspensão. Em suma, não se dá por verificada a violação do direito de contratação coletiva. 15. No entender da recorrente, a norma sob escrutínio ofende ainda o direito de participação na legis- lação laboral, garantido pelos artigos 54.º, n.º 5, alínea d) , e 56.º, n.º 2, alínea a) , da CRP. Estas disposições asseguram o direito de participação na legislação laboral, respetivamente, às comissões de trabalhadores e às associações sindicais. A avaliação deste argumento depende de duas coisas: por um lado, de que se qualifique a norma em causa como legislação laboral; por outro, de que, a sê-lo, não tenha sido efetivamente assegurada a participação.

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