TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
557 acórdão n.º 635/15 10. No Acórdão n.º 177/13, o Tribunal Constitucional debruçou-se sobre uma questão de algum modo paralela à presente. No âmbito de um processo em que se questionava a aplicação analógica ao processo tutelar educativo do desconto previsto no artigo 80.º do CP, o Tribunal foi chamado a julgar a conformidade constitucional da «norma de acordo com a qual não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, poste- riormente, a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento». Em sede de apreciação da norma à luz do parâmetro do princípio da igualdade, o Tribunal, no n.º 5 do Acórdão, retomou o já anteriormente referido no Acórdão n.º 546/11, n.º 12, salientando que: «[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem atra- vés do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis». Nesta conformidade, o Tribunal concluiu que existiam motivos razoáveis que justificavam material- mente aquela opção do legislador. É também a conclusão a extrair no caso presente. Com efeito, também a opção do legislador de não prever para as medidas disciplinares aplicadas no âmbito da execução de penas (matéria regulada no CEPMPL) a regra do desconto prevista no artigo 80.º, n.º 1, do CP, se sustenta de motivos razoáveis. É o que passaremos a demonstrar. Para o efeito será relevante começar por recordar o regime do “desconto” previsto no Código Penal e a sua evolução. 11. O instituto do desconto está regulado na secção IV do capítulo IV do título III do volume II do CP, dedicado à “Escolha e medida da pena”, ocupando os artigos 80.º e 81.º daquele Código. O primeiro versa sobre o desconto de “medidas processuais” e o segundo sobre o desconto de “pena anterior”. Para o caso inte- ressa apenas o regime previsto no artigo 80.º, onde se legisla sobre o desconto das medidas de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação, na prisão ou multa em que o arguido vier a ser condenado. Com o regime estabelecido, o legislador pretendeu «diminuir a injustiça a que pode dar lugar toda a prisão preventiva, usando-se esta expressão no sentido mais amplo» (Manuel Simas Santos e Manuel Leal- -Henriques, Código Penal Anotado, 4.ª edição, p. 289).
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