TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

558 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Todavia, nem sempre o desconto contemplou a prisão preventiva sofrida à ordem de outro processo. Na sua versão original, e na redação depois introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março (que acrescentou a referência à detenção e à obrigação de permanência na habitação), o artigo 80.º, n.º 1, do CP era omisso quanto a esta particularidade. Aí se dispunha simplesmente que «A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada». Foi apenas com a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que se passou a prever expressamente o desconto de medidas processuais aplicadas em outro processo, ao eliminar-se da primitiva redação do preceito a expressão «no processo em que vier a ser condenado» e aditar-se todo o segmento final do n.º 1 a partir de «ainda que». Abandonava-se, assim, o critério da unidade do processo como requisito exclusivo do desconto, pas- sando a admitir-se irrestritivamente a aplicação dessa medida processual, apenas com um limite temporal, reportado à anterioridade do facto pelo qual o arguido foi condenado em relação à decisão final do processo no âmbito do qual a prisão preventiva foi aplicada (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, p. 250). Sobre a conformidade com o princípio constitucional da igualdade deste último segmento da norma, traduzido no referido limite temporal, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional decidindo, no Acórdão n.º 218/12 «não julgar inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada». Será interessante lembrar que a referida alteração legislativa introduzida em 2007 surge na sequência de uma recomendação do Provedor de Justiça. À luz da versão original do preceito, era entendimento pacífico da jurisprudência que o desconto da medida de coação sofrida só valia para o mesmo processo em que o arguido viesse a ser condenado, considerando os tribunais que a prisão preventiva sofrida pelo arguido num processo no qual mais tarde viesse a ser absolvido não podia ser descontada na pena que ao mesmo fosse apli- cada noutro processo em que, por sua vez, viesse a ser condenado, e no âmbito do qual não lhe foi aplicada tal medida de coação. Nesse sentido, «era, portanto, a unidade do processo, e não a do facto ou do crime que contava para o efeito» (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, Almedina, 2007). A doutrina alertava, no entanto, para a injustiça que poderia derivar de um tal regime: «Com efeito, se o arguido for acusado num mesmo processo por dois ou mais crimes e sofrer prisão preventiva nesse processo em razão de um deles ( v. g. porque só relativamente a esse a lei admite a prisão preventiva), mesmo que venha a ser absolvido desse crime o tempo de prisão preventiva será descontado na pena aplicada aos restantes. Mas se forem instaurados processos autónomos e for aplicada a prisão preventiva num dos processos e o arguido vier a ser absolvido nesse processo, o tempo da prisão preventiva não será descontado na pena em que vier a ser condenado noutro ou noutros. Ora, se ele viesse a ser condenado no processo em que sofreu a prisão pre- ventiva, em função do cúmulo jurídico, o desconto iria ter influência sobre a pena única aplicada a final, mas se for absolvido já não o será» (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, Verbo, 1999, p. 178). Socorrendo-se do exemplo do Direito italiano e visando dar «resposta mais completa ao teor do n.º 17 da Recomendação do Conselho da Europa», surge então a Recomendação n.º 3/B/2004, de 2 de maio de 2004, do Provedor de Justiça no sentido de a legislação penal passar «a explicitar, na situação do concurso de infrações em que os crimes foram julgados em processos autónomos, e tendo o arguido sido absolvido em um ou em vários desses processos em que lhe tenha sido imposta a prisão preventiva, que possa esta vir a ser-lhe descontada na pena única aplicada no âmbito do cúmulo jurídico que se venha a efetivar relativa- mente aos crimes pelos quais, nas condições referidas, o arguido veio afinal a ser condenado» [cfr. alínea b) da Recomendação]. Idêntica solução legal se recomendava, «por razões de coerência da legislação que enquadra a matéria [vide artigo 80.º do Código Penal], para as medidas processuais correspondentes à detenção e à obrigação de permanência na habitação» [cfr. alínea c) da Recomendação].

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