TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

559 acórdão n.º 635/15 12. Aqui chegados é tempo de avaliar se existem motivos razoáveis que justifiquem a opção do legislador de não estabelecer no âmbito do CEPMPL um regime de desconto da medida de coação na pena idêntico ao previsto no artigo 80.º, n.º 1, do CP. Antes do mais, cabe sublinhar que o controlo da atuação do legislador na construção de um determi- nado regime jurídico não se compagina com o isolamento de aspetos específicos desse regime. Aceitá-lo, seria ignorar que esses aspetos se inserem num regime jurídico globalmente delineado, refletindo uma harmonia de conjunto e uma teleologia específica, pelo que desligá-los do conjunto significa privá-los da sua identidade jurídica. Para além de se afigurar evidente que a comparação de regras de diferentes ramos do Direito não pode, sem mais, impor uma obrigação de reprodução de um regime que, à partida, se quis diferenciado, a verdade é que no caso existem várias ordens de razões a justificar a diferença. Vejamos. Em primeiro lugar, aos olhos da Constituição, não é confundível o domínio dos ilícitos e sanções cri- minais com outros tipos de ilícito, designadamente o disciplinar. A Lei Fundamental distingue-os, desde logo, ao nível do âmbito da competência exclusiva reservada à Assembleia da República. Esta reserva abrange a definição dos crimes, penas e respetivos pressupostos, bem como o respetivo processo, no primeiro caso [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição], limitando-se a abranger o regime geral de punição das infra- ções disciplinares [artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição]. Esta diferenciação reflete-se também na densidade constitucional dedicada a cada um dos regimes san- cionatórios, sendo que apenas o ilícito criminal e as sanções de natureza criminal se encontram extensamente regulados na Constituição ao condensar, no artigo 29.º, o essencial do regime constitucional da lei criminal. Não se ignora que os princípios ali definidos para o direito criminal propriamente dito (crimes) têm sido estendidos, na parte pertinente, aos demais domínios sancionatórios, como o do ilícito disciplinar – é o caso do princípio da legalidade, da não retroatividade, da aplicação retroativa da lei mais favorável e da necessidade e proporcionalidade das sanções. Mas esta extensão não nega a diferenciação dos domínios, antes a confirma e, nessa medida, sufraga a ausência de identidade normativa entre medidas penais e medidas disciplinares. No mesmo sentido, também o Tribunal Constitucional assinalou de há muito, designadamente no Acórdão n.º 263/94, n.º 7, tirado ainda na vigência de anterior Lei Penitenciária, não merecer qualquer tipo de controvérsia a afirmação das diferenças que separam o Direito e Processo Disciplinar do Direito e Pro- cesso Penal, pois ambos visam a tutela de interesses ou bens jurídicos distintos. De acordo com esse aresto, enquanto o Direito Penal tutela interesses gerais e fundamentais da comunidade, o Direito Disciplinar está ligado às específicas necessidades e ao interesse do serviço público, tutelando o vínculo específico de lealdade, diligência e eficácia no desempenho de funções no âmbito de um serviço administrativo. Nesse sentido, as sanções previstas nos dois ramos têm âmbito e natureza diversas. Refere ainda o Acórdão que: «Eduardo Correia acentua igualmente que o ilícito disciplinar é «eticamente fundado, na medida em que protege valores de obediência e disciplina, em face de certas pessoas que estão ligadas a um especial dever perante outras, no quadro de um serviço público», afirmando que o serviço público “pode, antes de tudo, integrar-se no quadro geral de valores que ao Estado cumpre defender, caso em que a lesão ou o pôr em perigo desses valores, pelo mau funcionamento do serviço, constituirá um ilícito criminal ( v. g. os crimes de concussão, peculato, etc.)”. Mas, a par desta reação criminal face a atos ilícitos tipificados como crimes, “o serviço público pode também – considerados os especiais fins que visa realizar – ver-se em si próprio, como unidade funcional que exige uma certa disciplina para o seu perfeito funcionamento. A violação desta disciplina constituirá então o ilícito disciplinar e as penas que dele derivam serão penas disciplinares.” ( Direito Criminal , vol. I, Coimbra, 1968, reimpressão, com a colaboração de Figueiredo Dias, pp. 35-36). (…) Na situação de cumprimento da pena privativa de liberdade, o recluso é o sujeito da execução da pena, decor- rendo dessa ideia a “consideração dos princípios de necessidade, de participação, responsabilidade e corespon- sabilidade”. Tal ideia-base ilumina, no dizer de Eduardo Correia, “todas as fases do processo de tratamento até

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=