TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
561 acórdão n.º 635/15 recluso por infração disciplinar em meio prisional. Enquanto as primeiras visam prevenir perigo de fuga, de perturbação do processo ou de continuação da atividade criminosa ou perturbação da ordem e tranquilidade públicas (artigo 204.º do Código de Processo Penal), estas últimas visam sobretudo acautelar a convivência ordenada e segura dentro do estabelecimento prisional, para além de garantir a proteção de pessoa ou de meios de prova (artigo 111.º, n.º 1, do CEPMPL), objetivos a que não são alheios fins de socialização dos reclusos a convocar o seu sentido de responsabilização. Em conformidade com estes fins, e em evidente distanciação para o regime do concurso de crimes que dá lugar a cúmulo jurídico de penas (artigos 79.º e segs. do CP), quando o recluso tiver efetivamente praticado mais de uma infração disciplinar, são-lhe aplicáveis as medidas disciplinares correspondentes a cada uma das infrações, ainda que com um limite temporal intransponível (artigos 100.º e 105.º, n.º 4, do CEPMPL). Se a medida cautelar está relativamente à medida disciplinar numa relação paralela à que se estabelece entre a medida de coação e a pena, certo é que não pode ser comparada a situação da pessoa que é condenada a pena privativa de liberdade com a do recluso que é condenado a medida disciplinar de permanência obri- gatória no alojamento, ou mesmo internamento em cela disciplinar. Tal como não é comparável a sujeição do arguido a prisão preventiva com a sujeição do recluso a medida cautelar de confinamento ao alojamento. Não existe nenhuma identidade qualitativa ou quantitativa entre aqueles grupos de situações. 14. Não se ignora que na tensão imanente entre a Segurança e a Liberdade ou entre os fins da execução da pena e a posição do recluso (enquanto sujeito – e não objeto – da execução) tem sido progressiva a con- quista da jurisdicionalização, com o inerente reforço das garantias dos presos na sua relação com a adminis- tração penitenciária. O reconhecimento de um estatuto ao recluso assente na sua dimensão de ser humano marcou a evolução do Direito Penitenciário. Neste contexto, constitui exigência do Estado de direito a defi- nição legal dos direitos e deveres que se estabelecem entre o recluso e a administração penitenciária. Um claro exemplo desta “humanização” do Direito Penitenciário é também o alargamento das decisões que o recluso pode impugnar perante o Tribunal de Execução das Penas, estendendo-se designadamente, à aplicação das medidas disciplinares de permanência obrigatória no alojamento e de internamento em cela disciplinar. Esta progressão não elimina, todavia, as diferenças que separam a pena criminal da medida disciplinar. Existem razões de harmonização e de concordância prática a impor que a conformação concreta do estatuto jurídico do recluso – «porque se trata de garantir a existência de uma relação de vida especial – se obtenha por intermédio de uma regulação elástica. Pode – e deve – admitir-se que a “ordenação de certos sectores de relações (especiais) entre os indivíduos e o poder possa fundar (dar motivo) a restrições (também especiais) de alguns direitos. O bem-estar da comunidade, a existência do Estado, a segurança nacional, a prevenção e repressão criminal, entre outros, são valores comunitários com assento ou reconhecimento constitucional que não podem ser sacrificados a uma conceção puramente individualista dos direitos fundamentais”» [cfr. Anabela Miranda Rodrigues, ob. cit. , p. 89, com referência a Vieira de Andrade ( Os direitos fundamentais ) e Gomes Canotilho ( Direito Constitucional )]. Em suma, a não repetição do regime do desconto previsto no artigo 80.º, n.º 1, do CP no domínio da aplicação de medidas disciplinares em ambiente prisional encontra justificação razoável na diferença de situa- ções presente e elencada entre Direito Penal e Direito Disciplinar (mesmo Direito Penitenciário Disciplinar) que impede a censura constitucional à luz do princípio da igualdade. ii) Os restantes parâmetros de constitucionalidade invocados 15. Afastada a violação do princípio da igualdade, importa referir ainda que a norma impugnada tão- -pouco fere qualquer dos demais parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente. Desde logo, nela não se configura nenhuma dupla punição violadora do princípio da culpa penal, antes se invoca nos seus elementos uma única condenação numa só medida disciplinar pela prática de uma infra- ção, baseada, em procedimento especificamente regulado na lei.
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