TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

574 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Excluída a possibilidade de o diploma se integrar no âmbito da alínea p) do artigo 165.º da CRP, resta o recurso à alínea b) para fundar a respetiva inconstitucionalidade orgânica. Esta possibilidade supõe, natural- mente, a prévia identificação do direito, liberdade ou garantia afetado pelo diploma legal. 14. Estando em causa uma norma que incide sobre a atividade judicial (e não se tratando de processo crime), o comando constitucional de referência não pode deixar de ser o artigo 20.º da Lei Fundamental, que regula, designadamente, o acesso aos tribunais – mais precisamente o n.º 4. Uma vez que o recorrente não esclarece qual o direito, liberdade ou garantia afetado pelo diploma legal, só podemos supor que considerará atingido o direito a obter uma decisão em prazo razoável – uma vez que o diploma sob escrutínio incidiu sobre prazos – ou o direito a um processo equitativo – admitindo que con- sidere iníquo o resultado decorrente da suspensão do prazo para apresentação da conta de custas por banda da ré no processo. A releitura das disposições do diploma em causa evidencia duas coisas. Por um lado, que a dilatação temporal resultante da suspensão dos prazos foi a rigorosamente indispen- sável para assegurar a possibilidade da prática de atos que, de outra forma, ficariam inviabilizados – então sim, com grave prejuízo dos direitos garantidos pelo artigo 20.º da CRP. Por outro lado, que se afigura nada haver de iníquo em tal suspensão: iniquidade existiria, sim, caso se produzisse aquela consequência e o legis- lador – que é o Governo, igualmente responsável pelo regular funcionamento dos serviços de administração da justiça – simplesmente nada fizesse. Assim sendo, torna-se difícil sustentar que o diploma legal afetou – no sentido negativo – o direito a obter uma decisão em prazo razoável ou o direito a um processo equitativo. De resto, nada se encontra na doutrina que sugira, sequer, a recondução da situação em análise a uma hipotética ofensa daqueles normativos. 15. Acresce que é indispensável tomar em consideração o que se escreveu no Acórdão n.º 859/14 deste Tribunal: «Por outro lado, de acordo com a jurisprudência reiterada do Tribunal, para que se afirme a inconstitucionali- dade orgânica não basta que nos deparemos com produção normativa não autorizada do Governo em determinado domínio onde este órgão só poderia intervir com credencial parlamentar bastante. O facto de o Governo aprovar atos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas por vício de inconstitucionali- dade orgânica. Desde que se demonstre que tais normas não criaram um ordenamento diverso do então vigente, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente, o Tribunal vem entendendo não existir invasão relevante da esfera de competência reservada.» Esta jurisprudência recorre ao chamado critério da novidade – utilizado (e abandonado) noutros domí- nios jus-públicos, nomeadamente no direito administrativo, como critério distintivo da lei e do regulamento – para restringir a ofensa da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República aos casos em que a norma do Governo, sem que para tal dispusesse de autorização legislativa, tenha feito mais do que «retomar e reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente». Estando em causa, no essencial, a suspensão de prazos, não parece que o diploma se deva considerar inovador, no sentido de haver criado «um ordenamento diverso do então vigente». O que aconteceu a uma parte muito limitada do ordenamento então vigente é que ficou temporariamente “congelada” – por razões que não merecem censura –, retomando a sua plena valia e eficácia após o “descongelamento”.

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