TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
584 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL proporcionais), consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da CRP, direitos estes que podem ser invocados tanto pelo pretenso filho como pelo suposto pai. No entender de Cura Mariano[8], [8 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 626/09, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090626.html. ] este direito fundamental pode ser visto numa perspe- tiva estática – onde avultam a identificação genética, a identificação física, o nome e a imagem – e numa perspetiva dinâmica – onde interessa cuidar da verdade biográfica e da relação com o individuo ao longo dos tempos. A evolução da sociedade tem levado a uma crescente valorização do direito de cada um a saber das suas ori- gens genéticas e raízes familiares e culturais, o denominado “direito à historicidade pessoal[9]”. [9 Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada , I Vol., 4.ª edição, 2007, p. 462.] O direito à identidade pessoal, integrando uma dimensão fundamental da personalidade, abrange o direito a saber quem é o pai ou a mãe biológicos. Como decorrência do referido direito à identidade pessoal, tem vindo a ser discutida a inconstitucionalidade do prazo de caducidade previsto art.1817.º do Código Civil, por impor restrições ao direito fundamental de inves- tigar a paternidade. Assim, enquanto o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06, relatado por Mota Pinto, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do CPC, na redação da Lei n.º 21/98, de 12.05, o Acórdão do Plenário n.º 401/2011, de 22.09.2011, relatado por Cura Mariano (com sete votos a favor e cinco votos contra), decidiu pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 1817.º, do CC, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de paternidade, por força do artigo 1873.º, do CC, prevê um prazo de 10 anos para a propositura de tal ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante. Contudo, o referido acórdão do Plenário do TC não pôs fim à questão em torno de saber se o direito de inves- tigar a paternidade (ou de a impugnar) deve estar sujeito a um prazo de caducidade ou se é imprescritível[10], [10 Atentar-se-á em que, no Código Civil de 1867, as ações de investigação podiam ser intentadas a todo o tempo, não existindo prazo de caducidade, prazo que só veio a ser fixado pelo legislador com o Código Civil de 1966, restrição que assentou em três razões básicas, segurança jurídica, envelhecimento das provas e o receio da “caça às fortunas”, sendo que estas duas últimas se mostram ultrapassadas pelos avanços da ciência quanto à fidelidade dos testes de paternidade. Com relevo nos surge igualmente o facto de Portugal se afastar dos regimes jurídicos de matriz roma- nista que consideram imprescritível o direito de investigação de paternidade, entre os quais se destacam o direito espanhol, italiano, alemão e brasileiro (cfr., neste sentido, Cristina Dias, em anotação ao citado acórdão do STJ de 09.04.2012, “Investigação da paternidade e abuso de direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade”, in Cadernos de Direito privado, n.º 45 janeiro/março 2014, pp. 32 e segs.).] continuando sujeito a aceso debate, como se pode ver pelo Acórdão do STJ de 09-04-2013, com um voto de vencido de Salazar Casanova a propor a alteração, ao nível constitucional, considerando-se a inconstitucionalidade da fixação de qualquer prazo de caducidade para a propositura da ação de investigação. No caso em apreço, discutindo-se o prazo de caducidade previsto no n.º 2 do artigo 772.º do CPC, temos no prato da balança, como já referimos, por um lado, a garantia da certeza e da segurança jurídica, que justifica a imposição de um limite temporal ao exercício do direito de sentença possa vir a ser alterada, e o princípio da justiça material, que dá prevalência à verdade sobre a forma. Sendo a causa de pedir, nas ações de investigação ou reconhecimento da paternidade, constituída pelo facto naturalístico da procriação biológica do filho pelo réu a quem a paternidade é imputada, o referido facto da pro- criação biológica podia ser demonstrado por via direta, através dos “exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”, a que se refere o artigo 1801.º, do Código Civil, ou indiretamente, através do recurso a alguma das presunções legais de paternidade previstas nas als. a) , b) , c) e d) , do artigo 1871.º do CC, ou, ainda, através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em máximas da experiência, nos termos do artigo 351.º; é o que sucedia, então, na generalidade das causas em que não houvesse lugar à realização de exames de sangue concludentes e em que não ocorresse alguma das situações de facto que servem de substrato às aludidas presunções legais de paternidade, constantes das alíneas a) a d) do artigo 1871.º, incumbindo então naturalmente
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