TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

586 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como se salienta no citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06, não podemos ignorar que “os exames biológicos conducentes à determinação da filiação, podem ser realizados fora dos processos judiciais, e a pedido dos particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do Instituto de Medicina Legal”, pelo que aceitar, em termos absolutos, a limitação temporal dos cinco[s] anos para a revisão das sentenças em que a paternidade haja sido declarada sem recurso a exames científicos, pode levar a situações melindrosas de existência de uma paternidade reconhecida no registo que se saiba não corresponder à verdade biológica por a mesma ter sido excluída por exames de sangue. A tal respeito, afirma-se ainda no Acórdão deste Tribunal de 31.10.2006 [15] [15 Acórdão relatado por Emído Costa, disponível na CJ Ano XXXI, Tomo IV, p. 187.], a propósito de um recurso de revisão que teve como fun- damento um exame sanguíneo realizado ao menor à mãe e ao pretenso pai pelo IML, que excluía a paternidade do menor: “Se é do interesse da menor e da sociedade em geral que ela tenha um nome no lugar destinado ao pai no seu assento de nascimento, não é menos certo que tal nome deve corresponder ao do seu verdadeiro pai biológico. Outro nome que não esse falseia a realidade”. Como é salientado pelo Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/01, a constituição e a deter- minação integral do vínculo da filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse geral de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídico-social. Dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do individuo na zona nuclear mais do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas nas relações pai-filho, tendo projeções externas a essa relação (v.g., em tema de impedi- mentos matrimoniais). Como vem sendo reconhecido pela nossa doutrina e jurisprudência, o impulso científico e social para o conhe- cimento das origens e o desenvolvimento da genética e a generalização dos testes genéticos de elevada fiabilidade, não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos constitucionalmente protegidos, aquando da análise de restrições impostas ao direito de investigar ou de impugnar livremente a paternidade, como o são os prazos de caducidade respeitantes à interposição das ações correspondentes[16], [16 Cfr., neste sentido, Guilherme de Oli- veira, “Curso de Direito da Família”, Vol. II, Direito da Filiação, Tomo I, Coimbra Editora 2006, p. 247 a 253.] ou de rever uma sentença que declarou a paternidade unicamente com base em prova indireta. O referido prazo de cinco anos, ao excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames cientí- ficos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal, acarreta uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, conflituando com o interesse público na correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica. Concluindo, entende-se que, no caso em apreço, não é de negar ao recorrente o direito de efetuar esta “prova dos nove”, quanto à paternidade em causa, apenas porque decorreram mais de cinco anos desde o trânsito em julgado da decisão que o declarou como pai, considerando-se que os interesses em jogo – confronto entre bens constitutivos da personalidade e a garantia da segurança jurídica – justificam[17], [17 A avaliação de interesses aqui efetuada manter-se-á inteiramente válida no caso de ser o filho a pretender por em causa a paternidade reconhecida por sentença transitada em julgado.] no caso em apreço, a recusa da aplicação de tal prazo de caducidade, por vio- lação do princípio fundamental à identidade pessoal contido no artigo 26.º da CRP em conjugação com os artigos 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, todos da CRP. A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que admita o recurso, notificando-se a parte contrária para responder, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 774.º, do CPC. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que seja proferido despacho a admitir liminarmente o recurso, prosseguindo os autos nos termos previstos no n.º 2 do artigo 774.º do CPC (…)»

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