TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
59 acórdão n.º 538/15 poderes atribuídos ao Governo», em violação da “reserva de decreto-lei de desenvolvimento” que lhe está exclusivamente outorgada, sendo, por conseguinte, organicamente inconstitucional, o que produz a incons- titucionalidade sequencial do Despacho n.º 8213-B/2013. Isto sucede porque, no entender da Requerente, a matéria relativa ao acesso dos Delegados de Informa- ção Médica (doravante, “DIM”) ao Serviço Nacional de Saúde (doravante, “SNS”) integra as “bases do Ser- viço Nacional de Saúde” – matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea f ) ] – encontrando respaldo na Base XXI (Atividade farmacêutica) e na Base XXVII (Administrações Regionais de Saúde), da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, na redação conferida pela Lei n.º 27/2002, de 8 de novembro (Lei de Bases da Saúde). Esta conexão entre a matéria do acesso ao SNS pelos DIM e as bases do SNS é ainda demonstrada pelo facto de o artigo 64.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), preceituar, na alínea e) , que é incumbência prioritária do Estado «disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos (...) farmacêuticos». Logo, o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006, ao remeter para regulamento o desenvolvi- mento de matérias que integram as bases do SNS, importa violação da dita “reserva de decreto-lei de desen- volvimento”, estando, por conseguinte ferido de um vício de competência. Em segundo lugar, independentemente da procedência destes argumentos, entende a Requerente que as normas jurídicas dos artigos 2.º, n. os 1, 2 e 3, 4.º, n. os 1 a 4, 5.º, n. os 1 e 2, 6.º, n. os 1 e 4, 7.º, n. os 2 a 8, do Despacho n.º 8213-B/2013, «na medida em que constituem, no seu todo, o regime de “acesso” e da “inter- dição de acesso” dos DIM aos estabelecimentos e serviços que integram o SNS, para aí exercerem a sua ativi- dade profissional, embora constando de regulamento ministerial, versam, de modo inovatório sobre matéria de lei», ocorrendo, nessa medida, violação do princípio da legalidade da administração, na sua dimensão de “reserva de lei” e “precedência de lei”. Estes princípios prescrevem que «a competência para editar disciplina primária das relações e procedi- mentos administrativos», inclusivamente para habilitar a administração para a prática de atos administrativos ablativos (interdição de acesso), «deve ser exclusivamente exercida pelo legislador democrático, na forma de lei, não sendo assim constitucionalmente válida a intervenção regulamentar, com caráter inovatório, nestes domínios», sob pena de violação do artigo 112.º, n.º 5, da CRP. Adicionalmente, é possível argumentar que, mesmo que não se entenda que o exercício da profissão de DIM compreende um direito geral de acesso a serviços públicos, é incontestável que quer a recusa de credenciação (artigo 3.º), quer a interdição de acesso (artigo 7.º) constituem uma «afetação de facto do direito fundamental de liberdade de exercício da profissão de DIM e da liberdade de iniciativa económica dos laboratórios», bem como do imperativo constitucional de «equilibrada concorrência entre as empresas», havendo, por conseguinte, violação, por parte daquelas normas regulamentares, dos artigos 47.º, n.º 1, 80.º, alínea c) , e 81.º, alínea f ) , da CRP. Assim, as normas jurídicas supra identificadas, na medida em que versam de modo inovatório sobre matérias de lei, em contravenção aos princípios da reserva de lei e da precedência de lei, são organicamente inconstitucionais, e importam violação dos artigos 2.º, 3.º, n. os 2 e 3, 110.º, n.º 2, 111.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 266.º, n.º 2, e 277.º, n.º 1, todos da Lei Fundamental. Em terceiro lugar, a Requerente sustenta que a norma jurídica constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006 «por transferir para um despacho (regulamento ministerial) o poder de emitir um regulamento independente», viola a “reserva de decreto regulamentar” exclusivamente outorgada ao Governo, sendo, nessa medida, organicamente inconstitucional, facto que dá causa à inconstitucionalidade consequente do Despacho n.º 8213-B/2013 e de todos os seus preceitos, nos termos dos artigos 3.º, n. os 2 e 3, 110.º, n.º 2, 111.º, n.º 2, 112.º, 199.º, alínea d) , e 277.º, n.º 1, da CRP. Dito noutros termos, atribuindo o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, ao membro do Governo responsável pela área da saúde, competência para disciplinar o «regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos que integram o SNS», o regulamento que venha
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