TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
598 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; (…)». A questão de constitucionalidade a ser apreciada nos presentes autos refere-se, assim, à norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, na parte em que estabelece um prazo de cinco anos, sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordiná- rio de revisão, com o sentido de «ao excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal». Entende o recorrente, em conformidade com a decisão recorrida que tal «acarreta uma dimi- nuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, conflituando com o interesse público na correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica». 8.2. Do exposto resulta que em causa não está, portanto, em termos gerais, a previsão de um prazo perentório de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão a rever e cujo decurso preclude a interposi- ção do recurso de revisão, mas sim a previsão desse prazo, absolutamente preclusivo, em relação às hipóteses em que a ação na qual foi proferida a decisão cuja revisão é requerida foi uma ação oficiosa de investigação de paternidade, na qual a paternidade do réu foi declarada com base em prova testemunhal, sendo alegado, para fundamentar o pedido de revisão, a necessidade de realização de exames científicos – que possam apurar «com um grau de probabilidade próximo da certeza» a paternidade biológica – com vista a infirmar a prova (testemunhal) produzida. Depois há de se ter em conta também que o juízo de desvalor que recaiu sobre o prazo em causa, deter- minando a desaplicação da norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do anterior CPC, nessa parte, pelo Tribunal ora recorrido – e assim não considerando o decurso do prazo ali estabelecido e o seu efeito preclusivo –, não se dirigiu a qualquer aspeto normativo particular desse prazo, seja quanto ao limite temporal concretamente esta- belecido, seja quanto ao modo da sua contagem, designadamente quanto à determinação do seu termo inicial. 9. Assim explicitado o objeto do recurso, deve começar-se por explicitar o ponto de partida da análise jusconstitucional da questão colocada a este Tribunal. 9.1. Afigura-se, prima facie , que a norma (dimensão normativa) em causa, que se apresenta como um dado a este Tribunal, se reporta, ainda, ao Direito da Filiação – relevando a modalidade da filiação biológica, que tem por objeto a relação de parentesco que decorre da procriação –, resultando do direito infraconstitu- cional a pluralidade de formas e regimes de constituição do vínculo filial, em especial quanto ao estabeleci- mento da paternidade. O Código Civil regula os vários modos de estabelecimento da paternidade, classicamente repartidos em três: a presunção de paternidade relativamente ao marido da mãe, que opera na determinação da pater- nidade dos filhos nascidos ou concebidos na constância do casamento da mãe; a perfilhação (ato voluntá- rio, pessoal, livre, solene e irrevogável do perfilhante) e o reconhecimento judicial (por decisão judicial), que operam na determinação da paternidade dos filhos nascidos ou concebidos fora do matrimónio ou nos casos em que aquela presunção seja afastada, como decorre do disposto no artigo 1796.º, n.º 2, do Código Civil, e, sucessivamente, nos seus artigos 1826.º a 1846.º (que regulam a presunção de paterni- dade) e 1847.º a 1873.º (que regulam o reconhecimento da paternidade, seja por perfilhação, seja por reconhecimento judicial). A causa de pedir nas ações de investigação da paternidade – a ação em causa no caso em apreço – é a procriação biológica do filho pelo réu a quem a paternidade é imputada. Explica Jorge Duarte Pinheiro que
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