TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

600 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL interpôs recurso extraordinário de revisão (cfr. supra 2.2.), o qual foi admitido pelo acórdão do TRP, não obstante decorrido o prazo legalmente estabelecido para o efeito – no artigo 772.º, n.º 2, do anterior CPC, o qual se teve por inaplicável à situação dos autos por razões de inconstitucionalidade. Com efeito, o acórdão ora recorrido desaplicou a norma do artigo 772.º, n.º 2, do CPC por inconsti- tucionalidade, ao concluir que o preceito, fixando um prazo de caducidade, viola o direito fundamental à identidade pessoal decorrente do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, compaginado com o direito a constituir família (previsto no artigo 36.º da CRP), entendendo aquele prazo para a interposição dos recursos extraor- dinários de revisão como uma restrição intolerável aos direitos assinalados. Deve desde já sublinhar-se que o prazo de caducidade em causa, que se reporta ao instituto de revisão extraordinária de sentença com força de caso julgado, é distinto dos prazos de caducidade que se reportam às acções de investigação e de impugnação da paternidade com vista, respectivamente, ao estabelecimento ou à impugnação do vínculo de filiação biológica – pelo que é no quadro daquele (e não destas acções) que a questão submetida a este Tribunal deve ser apreciada. Assim, atenta a norma do CPC cuja aplicação foi afastada pela decisão ora recorrida – o artigo 772.º, n.º 2, do (anterior) CPC –, a questão jurídico-constitucional a apreciar deve reportar-se, em última análise, ao instituto jurídico em causa – revisão de sentenças – no quadro mais amplo da função jurisdicional no âmbito do Estado de direito. 10. No quadro do Estado de direito, a função jurisdicional caracteriza-se pela estabilidade e definitivi- dade das suas decisões – neste ponto se distinguindo da função legislativa, que se caracteriza pela autorevisi- bilidade pelo legislador ordinário, a qualquer tempo, ainda que sujeita à observância da Constituição e dos princípios constitucionais aplicáveis nela consagrados. Se é certo que a função jurisdicional implica, em Estado de direito, que as decisões jurisdicionais não possam, em princípio, ser postas em causa – visando a certeza e a segurança, ínsitos naquele, na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjectivas –, é igualmente certo que a expressão da função jurisdicional do Estado não se encontra imune ao erro, assim justificando institutos jurídicos dirigidos à reparação dos efeitos do mesmo (como é o caso do instituto da responsabilidade civil do Estado por erro imputável ao Esta- do-Juiz) ou, excepcionalmente, à modificação da própria sentença – como é o caso do instituto de revisão de sentença, em causa quanto à norma ora sindicada.  Sublinhe-se que ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para «defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos» consagrado no artigo 20.º da Constituição compreende, além do mais, o «direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável (…)» (cfr. n.º 4, 1.ª parte) – e tal «decisão» judicial, na concretização pelo legislador ordinário, reporta-se expressamente a uma decisão judicial «que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (…)» (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, que corresponde ao mesmo artigo e número do anterior CPC).  OTribunal Constitucional por diversas vezes reconheceu a proteção constitucional do caso julgado, ali- cerçando-a, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídicas, decorrentes da própria ideia de Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constitui- ção). Como, a este propósito, se lê no Acórdão n.º 301/06, «[a] estabilidade das decisões judiciais exprime o valor do Direito e a subordinação do Estado e da sociedade ao seu Direito, diferentemente do que caracteriza o Estado autoritário que historicamente sempre concebeu instrumentos de anulação das sentenças (cfr., por exemplo, Friedrich Christian Schroeder, Strafprozessrecht, 2.ª edição, 1997, p. 217)». No Acórdão n.º 108/12 pode ler-se, atendendo especialmente ao regime consagrado no artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa em matéria de intangibilidade do caso julgado face aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) com força obrigatória geral:

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