TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

601 acórdão n.º 680/15 «(…) 6. A razão que justifica esta segunda exceção [caso julgado] encontra-se no princípio da segurança jurídica, que decorre do princípio mais vasto de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP. O Estado de direito é, também, um Estado de segurança. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que não garantisse a estabilidade das decisões dos seus tribunais. Ao contrário da função legislativa, que, pela sua própria natureza, tem como característica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituição), a função jurisdicional, que o artigo 202.º da CRP define como sendo aquela que se destina a “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, a “reprimir a violação da legalidade democrática” e a “dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, não pode deixar de ter como principal característica a tendencial estabilidade das suas decisões, esteio da paz jurídica. Por esse motivo, o artigo 282.º ressalvou, como derrogação à regra da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questão já decidida pelo tribunal. Ao estabelecer esta oposição, fazendo nela prevalecer a força vinculativa do caso julgado, o legislador consti- tuinte revelou a forma como procedeu à ponderação de dois bens ou valores: entre a garantia da normatividade da constituição, e a consequente forte censura dos atos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das decisões judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a constituição optou em princípio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princípio do favor rei, previstos na segunda parte do n.º 3 do artigo 282.º E especificamente da consideração dos valores inerentes ao caso julgado – desde logo, a razão de certeza ou segurança jurídicas – parte o Acórdão n.º 310/05, recordando as palavras de Manuel de Andrade ( Noções Elementares de Processo Civil, nova edição revista e atualizada pelo Dr. Herculano Esteves , Coimbra, 1976, pp. 305/306): «Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa – fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constan- temente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respetiva sentença. Não se trata propriamente de a lei ter como verdadeiro o juízo – a operação inteletual – que a sentença pressupõe. O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade, por força da qual, como diziam os antigos, a sentença faça do branco preto e do quadrado redondo ( facit de albo nigrum,... aequat quadrata rotundis ... ) ou transforme o falso em verdadeiro ( falsumque mutat in vero ). Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao ato de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda) . O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável. Vê-se, portanto, que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objetivo ou a atua- ção dos direitos subjetivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social ( Schönke) ». Na síntese do Acórdão n.º 151/15: «O princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, consa- grado no artigo 2.º da Constituição, no âmbito dos atos jurisdicionais, justifica o instituto do caso julgado, o qual se baseia na necessidade da estabilidade definitiva das decisões judiciais transitadas em julgado. Daí que

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