TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL seja reconhecida, enquanto subprincípio, a intangibilidade do caso julgado, revelado em preceitos constitucionais como o artigo 29.º, n.º 4, e 282.º, n.º 3, (…)» Decorrendo o princípio da intangibilidade do caso julgado do princípio da segurança e certeza jurídica inerente ao Estado de direito, o mesmo não afasta, excepcionalmente, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Ora, o recurso extraordinário de revisão de sentença constitui uma limitação ao caso julgado, ao per- mitir, em certos termos, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Assim se compreende que o legislador, na conformação normativa deste tipo de recurso (aqui apenas relevando o recurso de revisão em matéria cível), estabeleça fundamentos precisos e taxativos para a respetiva interposição (assim o artigo 771.º do anterior CPC) e limites temporais para o respetivo exercício (assim o artigo 772.º, idem ), de modo a respeitar, na essência, o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais insuscetíveis de recurso ordinário. Com efeito, reconhecendo-se ao caso julgado um valor constitucionalmente relevante – assim a juris- prudência constitucional exarada no Acórdão n.º 310/05 e a nele citada – não lhe pode ser negado «(…) algum grau de protecção (de intangibilidade), em termos da sua ultrapassagem só ser aceitável dentro de uma lógica de balanceamento ou ponderação com outros interesses dotados, também eles, de tutela constitucio- nal» (Acórdão n.º 310/05), dispondo o legislador de uma considerável margem de liberdade na configuração dos pressupostos e limites do recurso extraordinário de revisão (em matéria cível). E entre esses limites se compreende o estabelecimento de um prazo de caducidade para efeitos da revi- sibilidade das decisões judiciais transitadas em julgado – assim se garantindo a estabilização e definitividade das decisões judiciais, como decorre da própria função exercida. Ainda do acórdão agora citado: «(…) ora, um dos modos que pode revestir essa configuração traduz-se precisamente no estabelecimento de um limite temporal à possibilidade de desencadear o meio de impugnação do caso julgado. É este o sentido do prazo de cinco anos previsto no artigo 772.º, n.º 2, do CPC. Face a tal limite, a respectiva indagação de conformi- dade constitucional implicará, também ela, que o valor de caso julgado seja posicionado face ao outro valor expresso pela situação relativamente à qual a ultrapassagem daquele é requerida». Se a essência da função jurisdicional em Estado de direito encerra a tendencial estabilidade das decisões judiciais vertida na especial força de caso julgado que lhes é atribuída – igualmente concretizando o direito de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º da CRP) – a consagração do instituto de revisão de sentença [que, como afirmado no Acórdão n.º 310/05 «cumpre igualmente um objetivo dotado de relevância constitucional (que decorre do artigo 20.º da CRP)» e com expresso assento constitucional em matéria de sentença penal injusta, no artigo 29.º, n.º 6, da CRP], enquanto exceção à referida especial força de caso julgado, não pode ser entendido de molde a desvirtuar a essência da expressão da função jurisdicional do Estado vertida numa decisão transitada em julgado. A natureza do recurso de revisão, assente no vício da prova constituída e, assim, na invalidade da prova produzida no âmbito do processo que findou com a prolação de decisão com trânsito em julgado, não é de molde a permitir a quebra do mesmo para dar continuidade a um processo já findo para nele se continuar a produzir – nova ou, como sucede in casu , melhor – prova que a final permita confirmar ou infirmar a prova produzida, ou seja, cujo resultado à partida se desconhece, ainda que possam estar em causa, em última aná- lise, direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. Dito de outro modo, não se pode, por via do instituto de revisão de sentença e sob a sua égide, desvirtuar a sua natureza excepcional, colocando a parti- cular força de uma sentença transitada em julgado, enquanto emanação da função jurisdicional na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjetivas, na dependência de uma condição ( in casu futura e incerta, pelas razões expostas) de prevalência de um direito fundamental (ainda que de enorme relevância, como sucede em relação ao direito invocado pela decisão recorrida, que se integra nos direitos pessoais). Atenta a natureza do recurso de revisão – invariável em razão da natureza da acção no qual foi proferida, em cada caso, a sentença revidenda –, não se afigura bastar a invocação de direitos fundamentais – mesmo
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