TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
604 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL causa direitos de personalidade e, assim, na possibilidade de lançar mão do instituto para além do prazo de caducidade de cinco anos fixado pelo legislador, tal não significa uma quebra ‘automática’ do caso julgado, não ficando o requerente dispensado da prova dos fundamentos da revisão e, assim, ainda reportados ao vício da prova constituída; por último, porque tal opção do legislador não corresponde a uma estrita exigência derivada da Constituição, em termos de se dever afirmar a invalidade constitucional de solução diversa que previsse o estabelecimento de um prazo, antes decorre da sua margem de ponderação. Se a invocação de um direito fundamental, ainda que de particular relevância como o direito à identidade pessoal, não justifica de per si a cedência do valor do caso julgado e um juízo de desconformidade constitucio- nal da configuração dos pressupostos e limites do instituto da revisão, em particular do limite temporal vertido num prazo de caducidade, muito menos o justificará a invocação de uma afectação meramente ‘virtual’ desse direito. É que o fundamento do pedido de revisão baseia-se numa mera convicção de que a nova prova pericial com recurso a meios técnicos supervenientes de determinação da paternidade – e a produzir – infirmará a coin- cidência entre o vínculo de filiação judicialmente estabelecido e a paternidade biológica. Por essa razão não tem sequer aplicação in casu a reflexão contida no Acórdão n.º 310/05 a partir do direito comparado e do caso alemão (cfr. II – Fundamentação, 2.4.1): «(…) Outro argumento, desta feita de direito comparado, também ele apontando no sentido da especifici- dade das acções em que se investiga a maternidade ou paternidade, no confronto com outro tipo de acções, pode extrair-se da análise da legislação adjetiva alemã. Nesta, com efeito, o recurso de revisão, denominado «acção de restituição» ( Restitutionsklage: restituição tem aqui o sentido de retorno à situação anterior), regulada nos §§ 580.º e seguintes do Código de Processo Civil Alemão [a Zivilprozebordnung (ZPO), cujo texto pode ser encontrado em http://dejure.org/gesetze/ZPO ], e stá igualmente sujeita a um prazo de cinco anos [§ 586.º: (…) 2. (…). Decorridos cinco anos, contados do trânsito da sentença, as acções são improcedentes (…)”].» Existe, porém, um regime especial, traduzido na não aplicação deste prazo, relativamente ao caso julgado que decidiu uma questão de paternidade [§ 641.º I: 1. A acção de restituição contra uma sen- tença transitada na qual se decidiu sobre a paternidade, procede, além das situações previstas no § 580.º, se a parte apresenta um novo relatório pericial sobre a paternidade que, por si ou em conjunto com as provas produzidas no processo anterior, teria conduzido a uma decisão diferente. [...] 4. O § 586.º não se aplica.” (do § 580.º constam os fundamentos da revisão, equivalendo este, no essencial, ao nosso artigo 771.º). Tal opção do legislador germânico teve lugar em 1969 (com o acrescento do § 641.º I da ZPO) e ocorreu no quadro do debate relativo à repercussão de novos meios científicos de prova da paternidade no caso julgado preexistente (vide Guilherme de Oliveira, “A Lei e o Laboratório”, in Temas de Direito da Família , 2.ª edição, Coimbra, 2001, pp. 92/93; vide, defendendo que no confronto entre os valores cons- titucionais respeitantes ao caso julgado e à veracidade no estabelecimento da filiação, aqueles devem ceder face a estes, Vladimir Brega Filho, A relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade: http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/6 ). 11. Por último, é ainda de questionar se, ainda que se tenha concluído pela não prevalência da invocação de um direito fundamental no quadro do instituto da revisão de sentenças para a invalidação do estabeleci- mento de um prazo para o efeito – em termos constitucionalmente não censuráveis – se subsistiria alguma outra razão que pudesse levar a juízo diverso, por se reportar a vícios inerentes ao próprio exercício da função jurisdicional em termos passíveis de afetar o direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º da CRP) e determinar o sacrifício do caso julgado e a revisão de sentença transitada. Afigura-se não ser esse o caso, não sendo transponível para a situação sub judice a jurisprudência exarada nos Acórdãos n. os 209/04 e 200/09 – aquele mencionado pela decisão ora recorrida. Com efeito, não obs- tante estar em causa a aplicação do prazo previsto no n.º 2 do artigo 772.º do anterior CPC, as dimensões normativas julgadas inconstitucionais por este Tribunal reportavam-se a caso em que, tendo a acção oficiosa
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