TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

606 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL relativização do caso julgado também pode decorrer do confronto com outros princípios constitucionais. Como se refere no Acórdão n.º 310/05 «a aceitação da relevância constitucional do caso julgado, não signi- fica uma total intangibilidade deste: o caso julgado sempre poderá ser colocado em confronto com outros princípios constitucionais e, nessa operação de ponderação de interesses, ceder, ou não, consoante a natureza dos valores em presença». Por exemplo, é a tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da CRP que justifica a revisão da sentença transitada em julgado nos casos previstos no artigo 771.º do anterior CPC (atual artigo 696.º), apesar da Constituição apenas se referir à revisão dos casos julgados inconstitucionais e das condenações injustas.  A consagração constitucional do princípio da imutabilidade do caso julgado não obsta a que o legis- lador ordinário disponha de um apreciável grau de liberdade na definição dos pressupostos necessários para a formação desse instituto, incluindo a previsão de meios processuais que permitam ultrapassá-lo quando outros interesses, dotado de tutela constitucional, imponham a existência de tais meios. Nesse exercício, o legislador pode e deve fixar, em termos genéricos, um prazo de impugnação do caso julgado, como acontece como a norma do n.º 1 do artigo 772.º. Mas em decisões judiciais tomadas em certo tipo de ações, com acontece com as ações de estado, o valor do caso julgado pode não prevalecer sobre os valores e interesses que são atuados nesses processos. O caso julgado enquanto instrumento de garantia à segurança jurídica pode ceder quando fatores exter- nos ao processo judicial tenham impossibilitado ou comprometido o exercício da função jurisdicional do Estado. Nessas hipóteses, a decisão judicial viciada acaba por constituir uma violação excessiva da tutela jurisdicional efetiva, o que legitima a revisão do caso julgado ilegal. Mas a intolerância da decisão viciada ou errada não significa que haja impedimento constitucional à fixação de limites temporais ao uso desse meio processual. Apenas em situações de maior prejuízo aos princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana ou outros princípios fundamentais, é que a exigência de justiça pode sacrificar irremediavel- mente a estabilidade da decisão judicial. Assim acontece nas ações de investigação de paternidade que envolvem direitos de personalidade, desig- nadamente o direito à identidade pessoal, que inclui os vínculos de filiação. O que está em causa neste tipo de ações é o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade (Acórdãos n. os 486/04 e 11/05). Trata-se de um direito que «postula um princípio de verdade pessoal», pois «ninguém deve ser obri- gado a viver em discordância com aquilo que pessoalmente e identitariamente é» (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, p. 609). De modo que não se pode impor a alguém que seja pai para sempre, se não é nem pai biológico nem tem qualquer vínculo de convivência com o filho que a justiça lhe impõe. A certeza da paternidade é um dos elementos da dignidade pessoa humana que relativiza o caso julgado, em termos de permitir a revisão a todo o tempo da sentença proferida numa ação que não possibilitou a descoberta da verdade biológica através do exame de ADN. A fixação de um limite temporal para a revisão da sentença proferida num processo em que não foi feita prova pericial que permite determinar plenamente a origem biológica de um indivíduo é excessivamente desproporcional ao objetivo pretendido com tal limite. A anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional respeitante à questão da relevância do caso julgado faz uma “ponderação autónoma” das ações de investigação de paternidade para efeitos de aplicação do prazo de cinco anos estabelecido no artigo 772.º do anterior CPC. Com efeito, nos Acórdãos n. os 209/04, 200/09 e 310/05 aponta-se para a inconstitucionalidade desse prazo quando aplicado a este tipo de ações, por envol- verem uma «situação particular de tutela de direitos de natureza estritamente pessoal ou de personalidade, expressos na relação de paternidade ou de filiação, que constituem emanação do direito à identidade pessoal previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP». Tendo em atenção os valores em presença, a limitação temporal da revisão da sentença proferida num processo de averiguação da paternidade em que, por razões várias, não foi possível efetuar o exame de ADN consubstanciaria uma «cedência manifestamente desproporcional às exi- gências de certeza e segurança jurídicas que estão na base da solução subjacente ao disposto no artigo 772.º, n.º 2, do CPC». – Lino Rodrigues Ribeiro.

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