TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
607 acórdão n.º 680/15 DECLARAÇÃO DE VOTO Fiquei vencida, já que votei no sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 772.º do (anterior) Código de Processo Civil (CPP), na parte em que estabelece um prazo absolutamente perentório de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão, com o sentido de “excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal”. Útil a esta apreciação será começar por relembrar que a norma cuja constitucionalidade vem questionada – que na fiscalização concreta é, para o Tribunal Constitucional, um dado – foi desaplicada num contexto em que o tribunal a quo deu por verificados os (demais) fundamentos da interposição do recurso extraordinário de revisão, não cabendo ao Tribunal Constitucional questionar a concreta aplicação do Direito por aquele realizada, mas tão só julgar acerca da (in)constitucionalidade da norma com o sentido que lhe foi atribuído no julgamento da causa. Por ser assim, consideramos que nunca se poderá afirmar que a defesa da inconstitucionalidade desta norma no caso em apreço poria em causa os atuais contornos do recurso extraordinário revisão – o Tribunal da Relação deu por verificados os (restantes) pressupostos firmados na lei (incluindo os previstos no artigo 771.º da anterior versão do CPP) e não cabe ao Tribunal Constitucional aferir da boa aplicação do direito ao caso concreto. Por outro lado, devendo o juízo do Tribunal Constitucional recair sobre a norma tal como foi delimi- tada na decisão recorrida, fica claro que o âmbito da restrição ao caso julgado que a defesa da inconstitucio- nalidade da norma carrega consigo sempre se cingiria a um muito específico tipo de ações, no caso, ações de estado, relativas ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade, não abrindo, sem critério, o recurso extraordinário de revisão, para além do prazo estabelecido, em quaisquer circunstâncias, nem, sequer, no caso da norma em apreciação, em todos os casos de direitos de personalidade (como veio, em versão posterior, a estabelecer o legislador), mas apenas quando está em causa o direito à identidade pessoal na relação com o direito ao conhecimento/reconhecimento da paternidade ou da maternidade. O juízo que fazemos para chegar à inconstitucionalidade da norma (sufragando a desaplicação dela feita pelo tribunal a quo ), se bem que não totalmente coincidente quanto à sua fundamentação, não pode ser des- ligado do juízo e argumentos empreendido nos Acórdãos em que, anteriormente, nos pronunciámos acerca da imprescritibilidade do direito de propor uma ação de investigação da paternidade que, em parte, têm aqui cabimento. De um dos lados da ponderação que importa neste caso fazer encontra-se também, como ali, um direito à verdade biológica e à historicidade pessoal, um direito à identidade pessoal, ao conhecimento/ reconhecimento da maternidade, e o interesse público da coincidência da paternidade biológica e a pater- nidade juridicamente fixada, valendo, no caso, muitas das considerações que então avançámos, ou para as quais, então, remetemos, nas declarações de voto aos Acórdãos n. os 164/11, 411/11 e 24/12. E, como resulta da posição ali defendida, propendemos, então, para fazer prevalecer estes direitos e interesses, em detrimento dos valores da certeza e segurança jurídicas entendidos de forma absoluta. É certo que, ali, a certeza, segurança e estabilidade das relações jurídicas eram garantidas pelo estabeleci- mento de um prazo findo o qual se tornava inimpugnável uma determinada situação jurídica. Agora, está em causa a certeza e segurança jurídicas resultantes da estabilidade das decisões judiciais, que “tem como ideia central a da indiscutibilidade judicial” (Mendes, João Castro, Limites objetivos do caso julgado em processo civil, Lisboa, 1968, p. 18), importando saber se também aqui deve ainda prevalecer a verdade biológica, o direito à identidade pessoal e ao (re)conhecimento da paternidade/maternidade, ou se estes devem ceder em face da força do instituto do caso julgado. Sem esquecer a dignidade constitucional do caso julgado (artigo 282.º da CRP), relembre-se, con- tudo, que a própria Constituição admite a sua limitação (artigo 282.º, n.º 3, da CRP) – de que a revisão de sentenças é concretização. A Lei Fundamental, que consagra a indispensabilidade do caso julgado, na
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