TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL decisão de os submeter ou não a julgamento, competindo o exercício da ação penal ao Ministério Público. E nisto se traduz o princípio da oficialidade, o caráter público da promoção processual, sendo o princípio da legalidade que domina o processo penal português, quer de um ponto de vista legal – artigos 262.º, n.º 2 e 283.º do CPP – quer de um ponto de vista constitucional – artigo 219.º da CRP, do qual resulta no seu n.º 1 ‘Ao Ministério Público compete (…) exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade (…)’. […] E estabelece o artigo 272.º, n.º 1, do CPP a obrigatoriedade de se proceder a interrogatório de arguido nos inquéritos que correm contra pessoa determinada em relação à qual haja fundada suspeita da prática de um crime, dispondo o artigo 58.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatória a constituição de arguido logo que aquela prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal. Da leitura destes normativos resulta, assim, também a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime. Apesar da imposição daquela obrigato- riedade, nada de concreto se dispõe, porém, sobre o momento preciso em que haja de ocorrer esse interrogatório. Indispensável é que ele se verifique durante o inquérito (cfr. acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2006, de 23-11-2005). Mas, ‘a injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade estadual que dirige o inquérito mas não compreende uma diretriz sobre o tempo do interrogatório do suspeito que deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito como atividade. Isto é não se encontra consagrada uma prescrição legal que obrigue ao imediato interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito’ (cfr. Dá Mesquita, Direção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, pp. 105-106). Fundamental é que a constituição de arguido obedeça à já acima referida lógica nuclear de chamada a juízo de alguém contra quem se mostram reunidos pressupostos que a colocam numa posição que demanda pelo menos a possibilidade do exercício de defesa, de acordo com as previsões identificadas nos artigos 57.º a 59.º do CPP, sendo que a definição desse momento se enquadra nos poderes de discricionariedade técnica pertencentes ao titular do inquérito. Ora, aquando da constituição do recorrente como arguido, o inquérito ainda não se mostrava findo, como não se mostrava findo até ao momento em que foi interposto o presente recurso. E sendo assim, não obstante o inqué- rito se ter iniciado em julho de 2013, imperioso será concluir que o facto de o recorrente não ter sido constituído arguido anteriormente a 21 de novembro de 2014, decorrente da estratégia de investigação adotada pelo titular da ação penal, não configura qualquer ilegalidade nem integra qualquer nulidade tipificada no CPP, designadamente as previstas no artigo 119.º/c) ou no artigo 120.º/2/d) do CPP, ao invés do que é invocado pelo recorrente, não havendo preterição dos direitos de defesa e da equidade no processo. […]». Do n.º 1 do artigo 272.º do CPP resulta que o interrogatório da pessoa relativamente à qual exista suspeita fundada de um crime constitui ato obrigatório do inquérito, salvo em caso de impossibilidade de notificação. Trata-se de norma que não dispõe sobre o momento da constituição de arguido, prevendo apenas a sua realização. Recuperando a evolução do preceito, cumpre recordar que, na versão original do Código, inexistia regra paralela, que veio a ser consagrada pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, nos termos seguintes: “[c]orrendo inquérito contra pessoa determinada é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa a obriga- toriedade quando não for possível a notificação”. Só com a Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, adquiriu o artigo 272.º, n.º 1 a sua redação atual, aditando-se a exigência de uma “[…] suspeita fundada da prática de crime […]” para que o interrogatório de alguém como arguido adquira o estatuto de ato obrigatório. A ratio da alteração da lei em 2007 foi a de evitar a constituição e o interrogatório como arguido em caso de notícias de crime infundadas (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, Lisboa, 2008,
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