TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
648 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2.4.1. Sob um único ponto (“D.”) apresentam-se duas questões substancialmente diversas. Na primeira parte, o recorrente questiona a decisão de não o constituir arguido, por (supostamente) se ter considerado não estar sujeita ao dever de fundamentação [“[…] quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que a decisão de não proceder, previamente à declaração de excecional complexidade de um processo, à constituição e audição de arguido de pessoa determinada contra quem corra o inquérito e relativamente à qual existam fundadas suspeitas da prática de crime, reconhecidas designadamente pela autorização judicial de interceções telefónicas, não está subordinada ao dever geral de fundamentação das decisões judiciais” (sublinhado acrescentado)]. Na segunda parte, questiona-se algo absolutamente diverso e, até certo ponto, contraditório: o conteúdo do dever de fundamentação [“[…] quando interpretadas no sentido, seguido nas decisões citadas, de que (…) tal dever [de fundamentação] não impõe a explanação e especificação das respetivas razões de direito e dos motivos concretos de facto que a motivam e de que a mesma se basta com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomeadamente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material”]. A contradição lógica é patente: a decisão recorrida só pode ter considerado que a “decisão de não cons- tituição como arguido” não está sujeita ao dever de fundamentação, ou que está sujeita a esse dever, caso em que pode ser questionado o modo como o mesmo foi entendido. A divergência é, todavia, bem mais profunda, como a leitura das alegações acaba por ilustrar, porque, na segunda parte, o recorrente não se refere já à (suposta) decisão de não o constituir como arguido, mas sim à fundamentação da decisão de declarar a excecional complexidade do processo. Importa, pois, analisar separadamente cada um dos segmentos. 2.4.1.1. No primeiro segmento do ponto “D.”, nos termos em que o recorrente coloca o problema, não se encontra uma questão de que o Tribunal possa conhecer. Desde logo, lido o ponto “5.” das alegações do recorrente (o qual corresponde a essa questão “D.”), não se encontra colocada nenhuma questão substancial quanto à (suposta) decisão de não o constituir como arguido, pelo que, em bom rigor, o recurso estaria deserto, nesta parte (as conclusões podem restringir o âmbito do recurso – artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil –, não podem, todavia, ampliar esse objeto). Por outro lado, não se trata de qualquer decisão jurisdicional. Não há, no processo – tanto quanto os autos nos documentam – uma “decisão” de não constituir o recorrente como arguido, mas sim uma decisão (necessariamente do Ministério Público, em fase de inquérito, e não do juiz de instrução – cfr., a propósito, o disposto no artigo 58.º, n.º 2, e n.º 3, do CPP) de constituição do recorrente como arguido. Faltaria, pois, de todo o modo, uma decisão (positiva) de aplicação de determinada norma jurídica, por referência à qual se pudesse pôr em causa uma dimensão normativa, fixada pela interpretação e com um mínimo de vocação de abstração, relativa ao dever de fundamentação. Daí que, nesta parte, não seja de conhecer o objeto do recurso. 2.4.1.2. No segundo segmento do ponto “D.”, questiona-se um (também suposto) entendimento, na decisão recorrida, de que o cumprimento do dever de fundamentação da declaração de excecional complexi- dade do processo “[…] se basta[ria] com a mera invocação da estratégia ou interesses investigativos, nomea- damente pela genérica afirmação da necessidade de manter sigilo para evitar repercussão económica e social e a frustração da descoberta da verdade material”. Antes de mais, é de apontar o caráter marcadamente conclusivo das afirmações do recorrente quanto à circunstância de as afirmações feitas na fundamentação serem “genéricas”. De todo o modo, o sentido da decisão recorrida não é aquele que o recorrente invoca. Na verdade, a fundamentação daquela decisão não se limita às invocadas referências “genéricas”, nem ali se afirma serem elas bastantes, antes se realizando uma verdadeira apreciação fundamentada da verificação concreta dos requisitos da declaração de excecional complexidade do processo, como resulta dos seguintes excertos da decisão recorrida:
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