TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
658 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Quanto à apontada violação pela norma aplicada do princípio da igualdade, na sua dimensão de proibição do arbítrio, pelo efeito discriminatório, consubstanciando vantagem injustificada para os sujeitos passivos constituídos sob forma societária, por não sujeitos ao requisito negativo estabeleci- do na norma sob apreciação, tal como repetidamente afirmado pelo Tribunal, as escolhas de regime tomadas pelo legislador neste domínio apenas podem ser censuradas, com fundamento em infração do princípio da igualdade, encarado como princípio negativo de controlo, quando se demonstre que as diferenças de tratamento entre sujeitos não encontram justificação em fundamentos razoáveis, ten- do em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, são prosseguidos. V – Nos presentes autos, o vício que a recorrente aponta à norma contida no n.º 4 do artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais reside na latitude insuficiente do mecanismo antiabuso por ela estabe- lecido, que desse modo diferenciaria positivamente, sem justificação perante as finalidade extrafiscais prosseguidas, as relações jurídicas de emprego por tempo indeterminado estabelecidas entre sujeitos passivos empregadores constituídos sob forma societária e trabalhadores pertencentes ao agregado familiar de qualquer dos titulares dos respetivos órgãos sociais, com poderes de gestão, consagrando um verdadeiro privilégio fiscal, a favor de uma espécie de empregadores: as sociedades. VI – Ora, a diferenciação de regimes entre empregadores societários e empregadores singulares, a favor dos primeiros, visou introduzir um mecanismo votado a prevenir abusos no direito à dedução majorada por parte dos sujeitos passivos pessoas singulares, o que não pode deixar ser entendido como pressu- pondo a existência nesses sujeitos de uma especial vulnerabilidade a práticas de contratação de pessoas que se encontrem numa relação de economia comum com o empregador, membros do respetivo agregado familiar, sem representarem verdadeira criação de um posto de trabalho, antes uma forma de imputação de custos, frustrando desse modo o objetivo económico-social prosseguido pelo benefício fiscal; sendo esta a razão de ser da solução legalmente adotada, não se pode afirmar que a norma sindi- cada comporte discriminação positiva carecida de justificação material, que a aproxime da liberalidade fiscal, não fundada em interesse público relevante. VII – Tomando o universo das entidades empregadoras suscetíveis de criação líquida de emprego e, como tal, merecedoras de desagravamento fiscal, mostra-se racionalmente fundado considerar que a estru- tura societária oferece, em si mesma, pela dissociação entre o património do ente coletivo empregador e o dos seus órgãos de gestão, bem como pelas instâncias internas de controlo, risco de abuso mais reduzido do que aquele que atinge os empresários em nome individual; nestes, a proximidade afe- tiva, comunhão de interesses e informalidade que normalmente caracterizam as relações no seio de um agregado familiar, assim como o cunho singular da decisão de emprego, permite identificar uma maior facilidade na adoção de práticas abusivas e, do mesmo jeito, atribuir maior dificuldade à respe- tiva deteção, o que permite afirmar uma conexão racional suficiente entre o critério de diferenciação mobilizado e os objetivos visados pela medida. VIII– Embora se possam conceber outras modulações normativas, a partir de uma avaliação mais ou menos exigente ou apertada dos riscos de abuso, que também atingem as sociedades, em particular aquelas que, com significativa importância no tecido económico nacional, assentam numa estrutura familiar, sempre haverá que reconhecer que a definição do grau de risco que ainda se compagina com a regular ação inspetiva cometida à administração tributária e aquele que, diversamente, apenas é praticável contrariar através da edição de norma que exclua genericamente o benefício fiscal, como a aqui em análise, corresponde a opção livre do legislador, não se encontrando fundamento para censurar a nor- ma sub judicio , face ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
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