TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
661 acórdão n.º 695/15 I. A interpretação da norma, integrante do nosso ordenamento jurídico tributário, está sujeita à disciplina geral do artigo 9.º do Código Civil, por um lado, e do artigo 11.º da LGT, por outro. J. Assim, se a própria lei geral postula que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, a letra não pode ser considerada um limite absoluto. K. Antes, a par da letra, outros fatores existem e devem ser ponderados e até preponderantes, nomeadamente, a teleologia da norma. L. Havendo que atender primacialmente à intenção da própria lei, pois esta mens legis há de ser sempre enten- dida com um sentido perpassado pelos princípios jurídicos enformadores do sistema jurídico, entendido no seu todo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, mormente, a supremacia da Constituição. M. No ensinamento de Francesco Ferrara, a interpretação deve declarar o sentido que está imanente e vivo na lei, no sentido da vontade objetivada, independente do pensar dos seus autores, isto é, o escopo que a lei visa alcançar, pelo que o jurista deve buscar o sentido que melhor responda à finalidade da lei. N. Além de que o intérprete deverá reproduzir as valorações e escolhas da lei na sua aplicação a uma realidade em constante evolução, rejeitando a inflexibilidade e a injustiça a que interpretações demasiados literais poderiam conduzir. O. Em face da composição atual do tecido empresarial português, sendo certamente muito poucas as entidades empregadoras exercidas em nome individual, sem adoção de um qualquer tipo societário, reduzir a abrangên- cia da norma desta forma equivale a retirar-lhe praticamente todo o efeito útil. P. O que viola a presunção do legislador razoável, sendo legítimo ao intérprete chegar à conclusão de que a teleologia da norma se verifica noutras situações à primeira vista não abrangidas na letra. Q. Não devendo esquecer-se que, de acordo com o artigo 11.º da LGT, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. R. O artigo 19.º do EBF consagra um benefício fiscal, abrangido pelo princípio da legalidade fiscal, vertido no artigo 103.º, n.º 2 da Constituição. S. Tem considerado esse Tribunal Constitucional que do princípio da legalidade fiscal, conjugadas as suas dimensões formal e material, resulta a exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos modeladores do tipo tributário, abrangendo os benefícios fiscais e que a previsão dos factos tributários seja feita de forma pormenorizada e densificada, mas que o imperativo de determinabilidade é moderado por exigências de prati- cabilidade, ditadas pela necessidade de surpreender as manifestações de capacidade contributiva evidenciadas pelos contribuintes. T. A doutrina salienta que, em matéria de benefícios fiscais, a natureza garantística do princípio da legalidade não se destina unicamente ao destinatário direto da norma tributária, antes abrange, também, o interesse de todos os outros, por quem será distribuído o esforço fiscal de que o beneficiado foi desonerado. U. A proibição da analogia é feita na lei em relação às normas que concedam benefícios fiscais, pois esta conces- são injustificada configuraria a atribuição de privilégios fiscais, vedados pelo princípio da igualdade, constitu- cionalmente consagrado em termos gerais. V. A jurisprudência constitucional vem reiterando que os benefícios fiscais – traduzindo-se exceção à regra geral de incidência do correspondente imposto – são elementos de “desigualdade” no sistema tributário, pelo que deverão ser justificados por um motivo e um interesse público relevantes, e encontrar nesse interesse o seu fundamento. W. Conforme expendido por Saldanha Sanches, «A desigualdade de tratamento entre factos semelhantes com alguns excluídos de tributação exige uma justificação, sob pena de regresso aos privilégios fiscais». X. O benefício fiscal em causa foi introduzido e é justificado com o incentivo ao acesso dos jovens ao mercado de trabalho em condições de estabilidade. Y. É esse objetivo extrafiscal que fundamenta e legitima a perda de receita inerente à atribuição do benefício.
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