TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

662 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Z. Consignou-se na lei um requisito negativo para a concessão do benefício, não sendo considerados os trabalha- dores que integrem o agregado familiar da respetiva entidade patronal, por evidentes preocupações de justiça e igualdade. AA. É fraudatório do objetivo justificativo da concessão do benefício interpretar a norma delimitadora como aplicando-se apenas a empresas exercidas em nome individual. BB. Ensinou Manuel de Andrade, aplicável mutatis mutandis, que devem qualificar-se como negócios em fraude em lei aqueles que procuram contornar ou circunvir uma proibição legal, mas chegam ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei previu e proibiu, por essa forma burlando a lei, os que vão contra a lei de modo disfarçado e oblíquo, não indo contra a letra da lei, só ofendem o seu espírito. CC. Sendo certo que somente os empresários em nome individual têm agregado familiar, no sentido biológico do termo, e que todas as empresas constituídas como sociedades, pessoas jurídicas stricto sensu, não terão agrega- do familiar, neste sentido. DD. O incentivo tem como destinatários, em abstrato, quaisquer entidades patronais, pois qualquer tipo de empresa – seja exercida por empresário em nome individual ou por empresas constituídas sob um qualquer tipo societário – pode criar emprego e gerar lucro tributável, tendo interesse em efetuar deduções ao seu lucro tributável. EE. Note-se que – o que releva como elemento sistemático na interpretação da norma – que o n.º 1 do artigo 19.º do EBF prevê expressamente a consideração em 150% dos encargos com estes trabalhadores «[p]ara a deter- minação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada». FF. Resta questionar qual o significado da previsão dos sujeitos passivos de IRC no âmbito desta norma, face ao previsto no artigo 2.º do CIRC, o qual é encabeçado pelas sociedades comerciais, lá não cabendo os empre- sários em nome individual, os quais são tributados em sede de IRS. GG. A querela entre literalismo e aplicação teleológico-funcional, relevante para a resolução da presente questão de constitucionalidade, tendo sido recorrentemente decidida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em favor da interpretação em função da ratio das disposições normativas. HH. Efetivamente, o critério normativo aqui em crise arreiga-se totalmente na letra da lei, quando se refere «a entidade patronal desta funcionária é, efetivamente, a Requerente (a qual, por ser pessoa coletiva não possui agregado familiar) e não o seu Conselho de Administração». II. No entanto, não sendo pessoas humanas, ergo não tendo vontade psicológica, as sociedades atuam juridica- mente, através das pessoas humanas titulares dos seus órgãos. JJ. Através das decisões dos seus órgãos, as sociedades celebram negócios jurídicos, como contratos de trabalho, gerando-se as consequências jurídicas da atuação dos órgãos sociais na esfera jurídica da sociedade, fruto da atuação – juridicamente tida como vinculante da sociedade – das pessoas singulares titulares dos seus órgãos, mormente os de gestão. KK. Nomeadamente, quem contrata trabalhadores é a sociedade, mas quem escolhe qual específico trabalhador a contratar é o órgão de gestão. LL. O conselho de administração é o órgão incumbido da gestão da sociedade, e a lei obriga a que os administra- dores sejam pessoas singulares com capacidade jurídica plena. MM. Neste caso concreto, a funcionária que foi contratada é esposa de um dos membros do Conselho de Adminis- tração. NN. Caso vingasse a interpretação defendida, seria perfeitamente frustrado o objetivo de estabelecer um requisito negativo para a concessão do benefício. OO. Saindo ilegitimamente beneficiadas as entidades patronais constituídas sob qualquer tipo societário, carecen- do de qualquer fundamento a discriminação em desfavor das entidades patronais empresários individuais. PP. Ao considerar-se não abrangidas pelo requisito negativo as entidades empregadoras constituídas sob um qual- quer tipo societário, considera o intérprete um critério normativo que resulta numa violação ao imperativo

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