TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
667 acórdão n.º 695/15 Ao legislador ordinário cabe o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspon- dente liberdade de conformação, a qual, na espécie, assume necessariamente amplitude considerável: “a matéria das isenções fiscais é uma daquelas em cuja modelação entram em jogo múltiplos e divergentes fato- res e em que, desde logo, a decisão passa por uma necessária ponderação entre as diversas considerações (de política económica, de justiça social) suscetíveis de legitimarem ou fundarem o “benefícios” e o “custo” fiscal ou orçamental deste; inevitavelmente, pois, não pode deixar de estar aí aberto um largo espaço de escolha ou opção política, que cabe ao legislador preencher” (Acórdão n.º 188/03). 10. A questão em apreço versa uma vertente da intervenção legislativa ocorrida em 2006, consubstan- ciada no n.º 4 do artigo 19.º do EBF, não estando em discussão a existência na criação líquida de emprego jovem, ou na eliminação de situação de desemprego de longa duração, de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, que uma isenção, em sentido amplo, sempre comporta, ou a ampliação dos destinatários do benefício fiscal, de forma a compreender os empresários em nome individual com contabilidade organizada. Também não se discute nos presentes autos a existência de uma justificação material bastante para o estabelecimento no n.º 4 do artigo 19.º do EBF, de um requisito negativo, obstando a que os empregadores com a condição de empregadores em nome individual venham a beneficiar de majoração da dedução do custo salarial, sempre que o posto de trabalho criado seja ocupado por membro do respetivo agregado fami- liar, dando tradução ao propósito do legislador de acompanhar o alargamento do âmbito subjetivo com a instituição de mecanismo antiabuso. Na verdade, o vício que a recorrente aponta à norma contida no n.º 4 do artigo 19.º do EBF reside na latitude insuficiente de tal mecanismo antiabuso, que desse modo diferenciaria positivamente, sem justifi- cação perante as finalidade extrafiscais prosseguidas, as relações jurídicas de emprego por tempo indetermi- nado estabelecidas entre sujeitos passivos empregadores constituídos sob forma societária e trabalhadores pertencentes ao agregado familiar de qualquer dos titulares dos respetivos órgãos sociais, com poderes de gestão. Estará, sustenta, consagrado um verdadeiro privilégio fiscal, a favor de uma espécie de empregadores: as sociedades. 11. Antes de mais, importa recordar que a diferenciação de regimes entre empregadores societários e empregadores singulares, a favor dos primeiros, existe desde a instituição do benefício fiscal, na medida em que até à edição da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, os empresários em nome individual não estavam abrangidos pela previsão do mesmo, sendo-lhes inteiramente vedado o desagravamento fiscal associado à celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado com jovens ou desempregados de longa duração. Assim sendo, a conclusão pela ausência de adequado suporte material para a medida legislativa introdu- zida em 2006 carece de ser encontrada à luz das finalidades que então se visou alcançar. E, face ao que consta do Relatório do Orçamento do Estado, a norma do n.º 4 do artigo 19.º do EBF, obedeceu ao propósito de introduzir mecanismo votado a prevenir abusos no direito à dedução majorada por parte dos sujeitos passi- vos pessoas singulares, o que não pode deixar ser entendido como pressupondo a existência nesses sujeitos de uma especial vulnerabilidade a práticas de contratação de pessoas que se encontrem numa relação de eco- nomia comum com o empregador, membros do respetivo agregado familiar, sem representarem verdadeira criação de um posto de trabalho, antes uma forma de imputação de custos, frustrando desse modo o objetivo económico-social prosseguido pelo benefício fiscal. Sendo esta a razão de ser da solução legalmente adotada, não se pode afirmar que a norma sindicada comporte discriminação positiva carecida de justificação material, que a aproxime da liberalidade fiscal, não fundada em interesse público relevante.
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