TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Começar-se-á por recordar que a lei não qualifica tal acesso como um direito. Pelo contrário: a formu- lação da norma até inculca a ideia de que se trata de uma exceção à regra, que seria a do não acesso, ou da proibição do acesso. Assim se compreende que a norma do despacho diga que o acesso «só é permitido». Isto faz, de resto, todo o sentido. Na verdade, estamos falar do acesso a estabelecimentos do SNS, designadamente, a espaços hospitalares. Estes, independentemente do seu estatuto, público, privado ou do chamado “terceiro setor”, não são espaços públicos, no sentido de espaços abertos ao público. Não são, nem poderiam ser, considerada a sua natureza: trata-se de espaços cujo estatuto jurídico tem de estar funcionalizado ao tratamento da doença. O acesso de quem quer que seja, para lá do pessoal do próprio hospital – sejam familiares dos doentes, agentes de voluntariado ou DIM –, não pode deixar de enfrentar como condicionantes principais, por um lado, a situação dos doentes, nomeadamente a sua tranquilidade, por outro, as condições necessárias a um proficiente exercício profissional por parte dos médicos e demais pessoal hospitalar. A permissão do acesso a estes espaços por parte dos DIM não parece ser configurável de outra forma que não como o levantamento de uma interdição, a remoção de um obstáculo ao acesso, se se preferir. Esta remoção exige a prática de um ato administrativo de admissão e credenciação (artigos 2.º e 3.º do Despacho n.º 8213- B/2013), não podendo necessariamente deixar de ser feita sob reserva de oportunidade e conveniência: a possi- bilidade de suspender temporariamente o acesso, apenas porque tal acesso, pela forma como foi concretizado, perturbou o funcionamento do serviço, ao não se conformar com as condições estabelecidas para aquele. Neste contexto, o ato de permissão de acesso apresenta-se como necessariamente “precarizado”, no sen- tido de que a intensidade da sua proteção jurídica se encontra vinculada aos interesses públicos que podem ser ameaçados pelo exercício do acesso e que aos estabelecimentos do SNS cumpre defender. 16. Estes atos unilaterais da administração não criam ou consolidam direitos na esfera jurídica dos des- tinatários, mas apenas sustentam situações jurídicas ativas mais débeis, dotadas de proteção menos intensa. Nem por isso põem em causa o princípio da proteção da confiança, pois tal debilidade é ditada pelo respeito por outros princípios constitucionalmente relevantes, como o da prossecução do interesse público, embora beneficiem de alguma proteção – visível, no caso, nomeadamente, através da obrigação de audiência prévia do DIM, prevista no n.º 2 do artigo 7.º do despacho. Trata-se de atos que «inserem na esfera jurídica do destinatário ou destinatários uma posição jurídica de vantagem cuja subsistência não deverá, à luz dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança (…) ficar à mercê do livre exercício do pode revogatório dos órgãos administrativos» (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, Coimbra, 2011, p.483). Forçoso é reconhecer que, por um lado, nem só os atos administrativos que criam direitos beneficiam de (alguma) proteção contra o poder de revogar da Administração; por outro, que nem todos os atos de que resultam posições de vantagem para os particulares estão protegidos, de forma idêntica, contra o exercício de tal poder. Isto significa, ao fim e ao cabo, que a diversidade de situações jurídicas ativas que o direito privado conhece – direito subjetivos, interesses reflexamente protegidos, expetativas jurídicas, etc. (para uma enumeração com- pleta, cfr. Vitalino Canas, “Relação Jurídico-Pública”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume VII, p. 214) – também se manifesta na situação dos destinatários de atos administrativos. Também aqui, dife- rentes atos conferem aos interessados distintos graus de proteção jurídica, determinados essencialmente em função do equilíbrio entre a proteção da confiança e outros valores constitucionalmente relevantes. 17. Entende oTribunal que é a própria natureza do ato de permissão do acesso a estabelecimentos do SNS – por força, já acentuada, da especial natureza da atividade que nestes se desenvolve – que leva a considerá-lo como não constitutivo de direitos e, portanto, suscetível de suspensão administrativa válida, sem que a tal se oponham interesses dignos de tutela mais intensa do que a resultante do dever de fundamentar o ato e de o fazer preceder da audiência dos interessados (para além, evidentemente, da garantia da sua impugnação jurisdicional).
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