TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
680 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – A consideração dos custos indiretos com maior ou menor latitude poderia conduzir a tratamentos diferenciados das candidaturas, ainda que não intencionais, e, por essa via, a enviesamentos, proi- bidos pela Constituição e pela lei que concretiza os seus princípios, na igualdade de tratamento das candidaturas. A previsão de gratuitidade do uso dos espaços públicos, estabelecida sem exceções, visou precisamente desonerar as candidaturas dos custos (diretos ou indiretos) inerentes à obtenção de espa- ços públicos, estabelecendo assim um mecanismo simples de assegurar a igualdade entre todas, com o correspondente ónus de suportá-los a cargo das entidades públicas. Nisto se traduz, quanto à cedência dos espaços, precisamente a sua obrigação de realização de prestação positiva, sendo a consideração dos custos indiretos contrária às finalidades da norma. V – Desde que as pretensões das candidaturas se mantenham dentro de limites de razoabilidade – ultra- passados os quais o exercício do direito correspondente se apresentará abusivo, não sendo esse, mani- festamente, o caso dos autos –, os municípios e demais entidades públicas devem limitar-se a, dentro da disponibilidade dos espaços, ceder o uso sem exigir qualquer contrapartida. A cedência do uso deve entender-se com aquilo que implica de organização e mobilização de meios para esse efeito, a qual será sempre residual face às despesas gerais de qualquer entidade pública. VI – Contra o entendimento exposto não pode invocar-se a previsão do n.º 5 do artigo 69.º da LEAR, como se esta fizesse parte do n.º 1 do mesmo preceito, já que a “indicação do preço a cobrar” visa ape- nas – e não é aqui o caso –, os proprietários de salas de espetáculos que não sejam o Estado ou pessoas coletivas de direito público. VII – Também não afasta o que se concluiu em “IV.” e “V.” a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 238.º da Constituição, pois trata-se de assegurar um interesse público (este, aliás, dotado de maior proteção, pois tem direta previsão no artigo 113.º da Constituição), não sendo tocada, em geral, a possibilidade de fruição económica do património da autarquia, nem a sua “constituição financeira”; pelos mesmos fundamentos, não ocorre violação do princípio da proporcionalidade. VIII– Não se trata, por outro lado, de uma despesa não admitida pela Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, pois o município não suporta qualquer custo “em substituição” da candidatura – mas antes, caso o suporte, o faz em cumprimento de uma obrigação própria prevista na lei – e, de todo o modo, tal prestação nunca seria ilegal, porque está prevista na lei. IX – A cedência do espaço público a título (absolutamente) gratuito também não viola o disposto no n.º 2 do artigo 235.º da Constituição. A participação comunitária na campanha eleitoral – em condições de igualdade e liberdade – integra uma ideia mais ampla de participação democrática, transversal à atua- ção dos poderes central e local, da qual os órgãos autárquicos não podem nem devem dissociar-se, aliás cumprindo a sua vocação constitucionalmente estabelecida para prosseguir os “interesses próprios das populações respetivas” numa matéria essencial ao normal funcionamento das instituições públicas. X – A designada Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso também não afasta a conclusão tirada em “IV.” e “V.”, uma vez que os factos são irrelevantes para efeitos das leis de contratação pública (não vem demonstrada a necessidade de contratar, nem concretamente invocada a impossibilidade ou o “constrangimento” na contratação).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=