TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

688 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL indiretos, os quais, todavia, não foram – cremos que intencionalmente – autonomizados como critério de qualquer contraprestação. Esta, simplesmente, não tem qualquer cobertura legal. Ademais o n.º 6 do artigo 8.º do regulamento invocado pelo Município de Santa Maria da Feira (regu- lamento n.º 388/2015, publicado no Diário da República , II Série, n.º 133, de 10 de julho de 2015) não é aplicável à situação, em função do disposto no n.º 1 do artigo 69.º da LEAR. Para além de muitos dos custos apresentados não estarem demonstrados, não terem relação causal direta com a utilização pontual, e serem de quantificação muito difícil ou mesmo impossível, a sua consideração com maior ou menor latitude poderia conduzir a tratamentos diferenciados das candidaturas, ainda que não intencionais, e, por essa via, a enviesamentos, proibidos pela CRP e pela lei que concretiza os seus princípios, na igualdade de tratamento das candidaturas. Manifestamente, não foi tal a intenção do legislador. A previsão de gratuitidade do uso dos espaços públicos, estabelecida sem exceções, visou precisamente desonerar as candidaturas dos custos (diretos ou indiretos) inerentes à obtenção de espaços públicos, estabelecendo assim um mecanismo simples de assegu- rar a igualdade entre todas, com o correspondente ónus de suportá-los a cargo das entidades públicas: nisto se traduz, quanto à cedência dos espaços, precisamente a sua obrigação de realização de prestação positiva. A consideração dos custos indiretos é, pois, contrária às finalidades da norma. Deste modo, desde que as pretensões das candidaturas se mantenham dentro de limites de razoabili- dade – ultrapassados os quais o exercício do direito correspondente se apresentará abusivo, não sendo esse, manifestamente, o caso dos autos –, os municípios e demais entidades públicas devem limitar-se a, dentro da disponibilidade dos espaços, ceder o uso sem exigir qualquer contrapartida. E a cedência do uso deve enten- der-se com aquilo que implica de organização e mobilização de meios para esse efeito, a qual será sempre residual face às despesas gerais de qualquer entidade pública. Aliás, o valor em causa ( € 175) é revelador da inexpressiva dimensão dos (pretensos) custos indiretos. De todo o modo, é dever do recorrente suportá-los. 6.1. Contra o entendimento exposto não pode o recorrente invocar (artigo 7.º das suas alegações) a previsão do n.º 5 do artigo 69.º da LEAR, como se esta fizesse parte do n.º 1 do mesmo preceito, já que a “indicação do preço a cobrar” visa apenas, como se disse – e não é aqui o caso –, os proprietários de salas de espetáculos que não sejam o Estado ou pessoas coletivas de direito público. 6.2. Também não procede como fundamento do recurso a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 238.º da CRP, onde se estabelece que as receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços. Reiterando a análise do sentido da autonomia financeira das autarquias locais constante do Acórdão n.º 288/04, entre outros, a semelhante conclusão, mutatis mutandis , teremos de chegar na hipótese dos autos, pois trata-se de assegurar um interesse público (este, aliás, dotado de maior proteção, pois tem direta previsão no artigo 113.º da CRP), não sendo tocada, em geral, a possibilidade de fruição económica do património da autarquia, nem a sua “constituição financeira”. Pelos mesmos fundamentos improcede, também, a invocada (embora não sustentada) violação do prin- cípio da proporcionalidade. 6.3. Para além disto, é descabida a invocação, pelo recorrente, do disposto na Lei do Financiamento dos Partidos Políticos (Lei n.º 19/2003, de 20 de junho), pois assenta no errado pressuposto de que o municí- pio assume os custos da candidatura em substituição desta, para concluir pela realização de um “donativo ilegal”. Ora, o município não suporta qualquer custo “em substituição” da candidatura – mas antes, caso o suporte, o faz em cumprimento de uma obrigação própria prevista na lei – e, de todo o modo, tal prestação nunca seria ilegal, porque está prevista na lei [cfr., a propósito, o disposto no artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, ainda que a cedência de uso prevista na LEAR se tratasse de um “recurso de financiamento público” nos termos daquele diploma, o que é, no mínimo, duvidoso].

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=