TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL matéria formal, de pormenor: está relacionada com a função do Primeiro-Ministro de direção e coordenação da atividade governamental [artigo 201.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição], bem como com a separação e interdependência de poderes entre Governo e Presidente (e com os poderes deste último controlar a atividade governamental). 3. O presente processo exige, assim, que se atente no artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006, enquanto norma habilitante de um regulamento administrativo do Governo. Se o ato normativo habilitante regula já a questão objeto do regulamento, cabendo-lhe apenas desenvolver, concretizar e complementar o regime legal existente, pode considerar-se que se trata de um mero regulamento de execução, pelo que a forma de despacho é constitucionalmente aceitável. Caso contrário, se determinada matéria for tratada de forma inovatória ou primária no despacho, então este deve ser considerado um regulamento independente – o que significa que devia ter a forma de decreto regulamentar, pelo que a forma de despacho é constitucio- nalmente incorreta. Uma tal análise deve começar por identificar o conteúdo normativo que pode ser extraído do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006. Aí, depois de se definir o objeto do regulamento (o «regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos e serviços que integram o SNS»), a forma do regulamento («despacho») e o órgão competente para o emitir (o «membro do Governo responsável pela área da saúde»), o preceito limita-se a determinar que esse regulamento há de conter «os mecanismos e as regras que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profis- sional dos delegados». Não é possível, nestes termos, acompanhar a conclusão do Acórdão, no seu n.º 12, de que este preceito contém princípios, diretrizes e critérios relativos ao conteúdo e sentido da normação a instituir suficientemente densificadas para justificarem a sua qualificação como regulamento de execução. É certo que o Acórdão enumera duas destas diretrizes. Por um lado, i) o facto de os DIM não gozarem de um direito geral de acesso a serviços públicos, podendo este ser condicionado. Não se encontra aqui, no entanto, nenhuma determinação do sentido com que esse acesso pode ser condicionado pelo Despacho, de forma a poder estabelecer-se uma relação de execução pelo regulamento em causa. Por outro lado, o Acórdão enumera o facto de ii) o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006 estabelecer o objetivo do regulamento (que este deve conter «os mecanismos e as regras que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profissional dos delegados»). Desta forma, porém, são estabelecidos os objetivos do regulamento, sem se delimitar quais serão esses mecanismos, o seu funcionamento, as suas linhas gerais. Ou seja, não existe a indicação de um sentido, de um limite, enfim de um parâmetro de controlo da atividade da administração ao emitir o regulamento em causa. Nesse sentido, o próprio Acórdão admite que as dire- trizes por si apontadas são genéricas e que apenas predeterminam minimamente o conteúdo do regulamento em causa. Efetivamente, a norma habilitante é tão pouco densa que está quase “em branco”. Não concordo, igualmente, com a leitura feita pelo presente Acórdão (n.º 12), de que a sua linha argu- mentativa acompanha o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional. Os Acórdãos n. os 289/04, 620/07 e 75/10, aí citados, afirmam uma exigência agravada de conteúdo normativo da norma habilitante. Nestes casos, o Tribunal Constitucional analisou a globalidade dos regimes em causa, verificando se a mar- gem de manobra deixada à administração era limitada porque destes resultava «o sentido e os limites da intervenção regulamentar» (Acórdão n.º 289/04, n.º 9), circunscrevendo «o objeto possível do ato regula- mentar à execução técnica dos dados normativos contidos na modelação legal definida previamente» (Acór- dão n.º 75/10, n.º 11.10.2.), e não se limitando a «emitir algumas diretivas sobre o sentido da normação de molde a que se pudesse considerar que seria o regulamento a proceder, num plano primário, à fixação das normas diretamente aplicáveis a relações sociais», apenas indicando «o membro do Governo que deve emitir o regulamento e o objeto sobre que ele deve incidir» (Acórdão n.º 620/07, n.º 10). Ora, este nível de escrutínio encontra-se ausente do presente Acórdão. Se do regime em causa resultam, no máximo, diretrizes genéricas e uma predeterminação mínima do conteúdo do regulamento, não se pode considerar, de acordo com esta jurisprudência, que se encontram cumpridas as exigências do artigo 112.º, n.º 6, da Constituição.

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