TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

83 acórdão n.º 576/15 da República, e subsequente devolução deste último ao Parlamento, tenham de forma alguma contendido com o propósito, ab initio afirmado, de alinhamento da medida de redução remuneratória temporária em causa com as necessidades de consolidação orçamental. 16.º Subsequente e cumulativamente, procede a mesma afirmação de uma apreciação de manifesta incompa- tibilidade da solução normativa que flui da alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 75/2014, na parte relevante, com a finalidade perseguida pelo legislador. Vejamos. 17.º Conforme supra antecipado, a medida legislativa de redução temporária das remunerações daqueles que auferem por verbas públicas vem enquadrada em um esforço de consolidação orçamental com uma finalidade contabilística de redução da despesa pública. 18.º Efetivamente, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, na origem do procedimento legislativo a que me refiro, após prelúdio centrado nos “compromissos europeus» de «sustentabilidade das finanças públicas”, logo se enfatiza que “no atual contexto, e mesmo após a conclusão formal do Programa de Ajustamento Económico acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, verifica-se que, não só as disposições de correção de desequilíbrios orçamentais se encontram reforçadas, como também, e sobretudo, as disposições na vertente de monitorização e prevenção de novos desequilíbrios se encon- tram significativamente intensificadas”. 19.º Na mesma Exposição de Motivos, pode ainda ler-se ser: “(…) ao Estado, no exercício da função legislativa, que cabe selecionar os meios mais adequados para assegurar a estabilidade e a disciplina orçamental, nomeadamente por via da receita ou da despesa pública. E ao legislador que compete definir, dentro do quadro constitucional, o interesse geral da coletividade e ordenar as grandes opções e as necessidades coletivas a cumprir, por via de normas gerais e abstratas. Por este motivo se reconhece à função legislativa do Estado uma natureza criadora e um caráter primário e discricionário. Em matéria de política de rendimentos praticada na Administração Pública, foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, em reconhecimento dos sinais de crise e urgência do ajustamento, uma redução remuneratória, com caráter transitório e progressivo entre os 3,5% e os 10%, para remunerações mensais superiores a € 1500 (...). Essa redução remuneratória foi mantida até 2013 inclusive. A reformulação das percentagens e dos limites da redução remuneratória vigente desde 2011, inscrita em norma do Orçamento do Estado para 2014, veio a ser declarada inconstitucional através do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/14, de 30 de maio. Uma vez que a disciplina orçamental imposta por obrigações permanentes e constantes a que Portugal se vinculou no contexto da pertença à União Europeia e à moeda única exige que a massa salarial das Adminis- trações Públicas, como elemento central da despesa do Estado, permaneça contida, a presente proposta de lei pretende repor as percentagens e os limites da redução remuneratória vigente desde 2011 (…).” 20.º A esta luz, afirmada inequivocamente do lado da despesa pública, como imperativo de consolidação orça- mental, não pode racionalmente compreender-se como adequada uma medida do legislador que, atingindo traba- lhadores de empresas cujos capitais são maioritariamente públicos e sem que esteja determinada a entrega nos cofres públicos dos montantes correspondentes às reduções remuneratórias que atingem aqueles trabalhadores, se revela apta, em absoluto contraste com o seu afirmado desiderato, a gerar distribuição, aa proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, detentores do capital remanescente, frustrando-se, na medida equivalente, qualquer escopo de redução da despesa pública a que deveria ser integral- mente dirigido o esforço que o legislador também fez recair sobre este específico círculo de trabalhadores.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=