TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

109 acórdão n.º 39/17 VIII– A matéria em causa, no domínio dos serviços de transporte terrestre de passageiros, é matéria em que estão, simultaneamente, em causa, interesses locais e supralocais; acontece que a prossecução dos interesses próprios das populações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado, devendo o legislador balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta margem de autonomia, mas não podendo pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local. IX – O Tribunal vem assinalando a existência de domínios de atuação que não podem ser atribuídos, de modo exclusivo, às autarquias, pelo que nesses casos se abre um espaço de atuação concorrente entre estas e o Estado, não pondo em causa a autonomia local, a atuação do Estado, ou o ato legislativo que a autorize; a matéria dos transportes terrestres de passageiros não é “um espaço incomprimível de autonomia” coincidente com os “assuntos próprios do círculo local”, pelo contrário, é uma matéria na qual o legislador deve equilibrar a prossecução do interesse público local com o interesse públi- co supralocal, sendo constitucionalmente admitida a intervenção concorrente de autarquias locais e Estado; tal matéria pertence a um domínio reconhecidamente aberto à intervenção concorrente das autarquias e do Estado, devendo a norma impugnada entendida nesse espaço comum de atuação, estabelecendo uma solução que não desrespeita a autonomia local, numa ponderação que o legislador entendeu ser adequada, num domínio em que, pelas suas características, as soluções não são, sequer, irreversíveis. X – No caso, nunca se trataria da ablação das atribuições do Município de Lisboa em matéria de trans- portes, pois a norma impugnada não tem o alcance de retirar ao Município de Lisboa a atribuição no domínio dos transportes, que é reconhecida aos municípios, incluído o de Lisboa, na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro; acresce que não há na Constituição nenhum princípio ou regra de que se infira ser esta uma matéria integrante de um “espaço incompressível da autonomia local”, por respeitar a assuntos próprios do círculo local, pelo contrário, é a própria Constituição que insere articuladamente a política de transportes nos planos de urbanização que incumbe ao Estado traçar como instrumen- to de efetivação do direito à habitação, numa lógica de intervenção concorrente entre o Estado e as autarquias locais, não podendo afirmar-se que a norma impugnada viole a garantia constitucional da autonomia local ou o princípio da descentralização administrativa, reduzindo injustificadamente atribuições e competências das autarquias locais. XI – Não se justifica que se retire da norma impugnada uma autorização legal, implícita, para a utilização do domínio público municipal pela concessionária, não havendo qualquer razão para procurar numa norma que identifica o Estado como concedente de um serviço público de transportes uma regula- ção implícita dos termos em que deve fazer-se a utilização pelas concessionárias de bens do domínio público, sejam eles da titularidade do Estado ou dos municípios; a norma impugnada não contém uma autorização legal de utilização pela concessionária da utilização do domínio público municipal nem altera os termos em que deve fazer-se essa utilização, não contendo qualquer regulação sobre o domínio público, o que impede, desde logo, que se conclua que estatui sobre matéria da reserva rela- tiva de competência da Assembleia da República, estabelecida pela alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=