TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL matéria de transportes aos municípios que decorre da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, e da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. 44. O mesmo não acontece, porém, no que respeita ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 174/2014, de 5 de dezem- bro. Dispõe aquele artigo da lei que: “Artigo 5.º Poderes gerais do concedente Sem prejuízo do que se encontre previsto na lei e do que resulte do contrato de concessão, o Estado, na qualidade de concedente, detém os seguintes poderes gerais: a) Estabelecer as tarifas mínimas e máximas pela utilização do serviço público; b) Sequestrar ou resgatar a concessão; c) Atribuir prestações económico-financeiras à concessionária; d) Aplicar as sanções pecuniárias ou outras previstas no contrato de concessão; e) Exigir a partilha equitativa do acréscimo de benefícios financeiros, nos termos do disposto no artigo 341.º do Código dos Contratos Públicos.” 45. Conforme resulta inequivocamente da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente do seu artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , a matéria referente ao estatuto das autarquias locais está integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Esta disposição tem sido unanimemente interpretada no sentido de que, o “estatuto das autarquias locais abrange, seguramente, [...] as suas atribuições” – cfr. Gomes Cano- tilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, agosto de 2010, Coimbra Editora, p. 352, entre muitos outros. 46. Ora, como resulta da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, às autarquias locais e, no caso, ao município de Lisboa, foram conferidas, por transferência do Estado, atribuições em matéria de transportes urbanos de passageiros e, em concreto, em matéria da gestão das redes de transportes – cfr. artigo 33.º, n.º 1, alínea ee) , da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. 47. Como se salientou acima, o conceito de “transferência de atribuições” (cfr. Lei n.º 159/99, de 14 de setembro) que a lei usou para definir a forma como confiou às autarquias locais as competências no domínio dos transportes urbanos impede que se entenda, seja que o Estado manteve para si a titularidade exclusiva de qualquer contrato, nomeadamente de concessão ou exploração, que tenha por objeto tal matéria, seja que se entenda que o Estado manteve em relação a ela competências concorrentes com os municípios. É por isso inequívoco que, desde 2013 – nos termos atrás explicitados –, o Estado não é concedente no contrato celebrado em 1973 com a Carris, em virtude de lei da Assembleia da República emitida no uso da sua reserva relativa de competência legislativa. 48. Seria certamente possível que a Assembleia da República alterasse, por sua iniciativa, o regime legal e alte- rasse, por essa via, a titularidade da posição jurídica de concedente no contrato de 1973, como o fez aliás várias vezes nos últimos 40 anos, e seria certamente possível que o Governo o tivesse feito por intermédio de decreto-lei autorizado nos termos de autorização legislativa que tivesse solicitado à Assembleia da República. No entanto, o Governo não solicitou à Assembleia da República qualquer autorização legislativa para modificar o estatuto das autarquias locais e, deste modo, o artigo 5.º do Decreto-lei n.º 174/2014, de 5 de dezembro, incorre em inconsti- tucionalidade orgânica, na medida em que altera as atribuições municipais, no caso, do município de Lisboa, em matéria de transportes urbanos de passageiros, ao transferir implicitamente para o Estado a posição de concedente no contrato assinado em 1973. 49. Com efeito, não é possível interpretar o artigo 5.º do diploma em causa senão no sentido de que, através dele, o Estado quis afirmar que lhe cabia a posição de concedente no contrato de 1973, na sequência aliás do sentido inequívoco do preâmbulo do diploma – cfr. o seu penúltimo parágrafo, onde é afirmado justamente que o “Estado detém a posição de concedente” no contrato em vigor com a Carris.

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