TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

117 acórdão n.º 39/17 50. Ora, é manifesto que tal afirmação e estatuição só podem ter fundamento na existência prévia de atribui- ções do Estado, mesmo que concorrenciais com outros órgãos da Administração, na matéria regulada pelo contrato em causa. 51. No silêncio da lei, deve presumir-se que a competência para explorar e gerir, ainda que sob a forma de concessão, uma certa atividade económica ou um certo serviço público cabe ao Estado. 52. Todavia, no caso de matérias com incidência local, é entendimento generalizado, que decorre nomeada- mente do artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que cabem às autarquias locais, por natureza concre- tizada sob a forma de lei, as atribuições e competências para as quais estas se mostrem ser a forma mais adequada de desempenho da função pública em causa, afastando a ideia de que a Administração Local é uma forma de administração especial, situada dentro da administração estadual. 53. A regra parece ser, então, a da existência de um princípio de subsidiariedade que reserva para a adminis- tração central apenas aquilo que as autarquias locais não estão em condições de prosseguir ou, ao menos, a da existência constitucional do princípio da universalidade, que pressupõe a competência geral e plena das autarquias para tudo aquilo que, de e por natureza local, não seja pela lei atribuído à Administração Central. 54. Esses princípios constitucionalmente consagrados, inter alia, nos artigos 235.º, n.º 2, e 237.º da Consti- tuição da República Portuguesa, significam, com interesse para o presente pedido, que não pode ocorrer redução das atribuições das autarquias locais, por violação da autonomia local adquirida, salvo em caso de manifesta neces- sidade e proporcionalidade. 55. É neste quadro que a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, transferiu atribuições em matéria de transportes para a Administração Local, isto é, removeu as disposições de leis anteriores que as atribuam ao Estado, consoli- dando essas atribuições, em princípio de forma definitiva, na esfera de atuação dos municípios. 56. É justamente no quadro da limitação constitucional à redução injustificada das atribuições das autarquias que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estatuiu expressamente que o seu regime não afetava as transferências de atribuições e competências consagradas na lei de 1999. 57. Os princípios que se vêm descrevendo impedem, por natureza também, que se entenda que pode existir uma zona de competências concorrenciais ou simultâneas da administração central e das autarquias locais, que de alguma forma pudesse sustentar a posição do Estado de que é ele o concedente no contrato de 1973 celebrado com a Carris. É que, fundando-se as competências locais no princípio consagrado no artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, de que deve ter certa atribuição ou competência o órgão da administração que esteja melhor colocado, em razão da proximidade territorial, para a desenvolver, não pode, repete-se, por natureza, coexistir a competência do órgão territorialmente apto com a de outro, territorialmente inapto. Assim é que, desde 1999, e na ausência de lei da Assembleia da República que, com fundamento na necessidade e na proporcionalidade, tenha alterado o regime de atribuições e competências em matéria de transportes, essa atribuição se deve ter por exclusi- vamente confiada, no caso, ao município de Lisboa. 58. Nessa medida, a estatuição, no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 174/2014,de 5 de dezembro, de que é o Estado o concedente no contrato celebrado em 1973 com a Carris, não só significa a violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da Constituição da República Portuguesa, como também viola o princípio da proibição da redução das atribuições das autarquias locais sem verificação da necessidade e da proporcionalidade da redução efetuada, uma vez que o diploma é absolutamente omisso no que se refere a tal invocação, encontrando-se, nessa medida, ferido de inconstitucionalidade material. 59. É que, como bem se compreende, a definição do Estado como concedente, ainda para mais numa relação concessória exclusiva que o diploma do Governo mantém como tal, representa, de facto, a ablação das atribuições da CML em matéria de transporte urbano de superfície, ao menos pelo período, aliás longo, em que o contrato celebrado com a Carris ainda vigorará. 60. Ora, a validade da restrição de faculdades que materializam a autonomia das autarquias locais está depen- dente da validade da justificação dessa restrição e da observância do princípio da proporcionalidade. Isto é, está

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