TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

118 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dependente da identificação de um fim legítimo que justifique a restrição e da existência de uma relação de propor- cionalidade entre a prossecução desse fim e os efeitos jurídicos da norma restritiva da autonomia. 61. O Tribunal Constitucional já várias vezes admitiu a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade em situações em que a lei restringe a autonomia de que usufruem entidades autónomas: vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos n. os  532/00 e 567/04 (sobre temática diferente da do presente caso). 62. Na situação que os Requerentes ora suscitam perante o Tribunal é difícil identificar claramente o fim legí- timo que pode justificar a restrição da autonomia das autarquias locais, designadamente do Município de Lisboa. 63. O que dificulta ou impossibilita a aplicação do princípio da proporcionalidade, desde logo invalidando a norma em causa. 64. Mas mesmo que se imaginasse um qualquer fim, do género “interesse financeiro do Estado”, ou “interesse financeiro da comunidade em geral”, parece evidente que a entrega do poder concessório à autarquia prosseguiria esse fim de forma tão eficiente quanto a entrega esse poder ao Estado, mas com menor afetação da autonomia local enquanto bem jurídico. Termos em que se mostra violado o sub-princípio da necessidade e, consequentemente, o princípio da proporcionalidade. 65. Por outro lado, a identificação do Estado como concedente tem um outro efeito, que convoca nova incons- titucionalidade material das regras em apreço. 66. De facto, como é absolutamente óbvio, não seria possível à Carris desenvolver as atividades nela concessio- nadas sem utilizar o domínio público, nomeadamente com paragens, abrigos para passageiros e utilização das faixas BUS, respetivamente situados nos passeios e inscritos nas próprias estradas e ruas do município. 67. Nos termos da Constituição da República Portuguesa, as autarquias locais são titulares de bens do domí- nio público (cfr. artigo 84.º, n. os 1 e 2), “designadamente, [das] estradas e caminhos municipais, [das] ruas, [das] praças, [dos] jardins, [dos] espaços verdes [...]”, conforme fixou o Parecer Homologado do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 26/2006, publicado no Diário da República , II Série, de 8 de agosto de 2006, pp. 14.317 e seguintes. Como aliás também esclareceu o referido Parecer, a noção de “estradas”, constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa, “abrange todas as vias públicas, desde os caminhos municipais às autoestradas, incluindo as suas obras de arte (pontes, viadutos, etc.) e [...] deve ser entendido como uma universalidade, de forma a englobar também passeios, plantações, muros de sustentação, sinais de trânsito, postes de iluminação, obras de arte, túneis, e todas as coisas singulares imprescindíveis (ou, pelo menos, úteis) ao desempenho da função pública determinante da dominialidade.” 68. Assim sendo, resulta que a Carris carece de autorização do município ou de autorização legislativa que haverá de resultar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado (cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea v) , da Constituição da República Portuguesa), para utilizar, na execução da concessão, as estradas que se integram no domínio público municipal. 69. Na medida em que o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 174/2014, de 5 de dezembro, estatui, ainda que de forma inconstitucional, que é o Estado o concedente no contrato celebrado em 1973, inexiste, nos seus termos e por via contratual, a autorização do município para o uso pela Carris das vias municipais, nomeadamente para a colocação de paragens e abrigos e para a utilização reservada das faixas BUS. A inconstitucionalidade material que ora se invoca resulta exatamente de aquela norma dispor implicitamente, sem para tal ter o Governo sido autori- zado pela Assembleia da República, sobre a utilização pelo concessionário do domínio público municipal. 70. Uma última nota deve ser feita neste passo quanto ao alcance material do presente pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade. Como acima se escreveu, parece que é possível interpretar as disposições normati- vas do Decreto-Lei n.º 174/2014, de 5 de dezembro, de forma que apenas fira de inconstitucionalidade material e orgânica o artigo 5.º, porque é apenas nesta disposição que o Governo entendeu fixar que é o Estado o concedente no contrato celebrado em 1973 com a Carris. Declarada inconstitucional aquela norma – ou, até, apenas a parte da norma que se refere ao Estado como concedente e removida, portanto, a inconstitucionalidade, poderiam sobreviver sem vício as restantes normas. 71. Todavia, é inteiramente admissível a ideia de que todo o conteúdo do diploma em causa, porque se refere apenas à relação entre concedente e concessionária, assenta de forma indissociável na estatuição contida no artigo

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