TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

120 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL b) Sequestrar ou resgatar a concessão; c) Atribuir prestações económico-financeiras à concessionária; d) Aplicar as sanções pecuniárias ou outras previstas no contrato de concessão; e) Exigir a partilha equitativa do acréscimo de benefícios financeiros, nos termos do disposto no artigo 341.º do Código dos Contratos Públicos. 80. Conforme resulta inequivocamente da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente do seu artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , a matéria referente ao estatuto das autarquias locais está integrada na reserva relativa de com- petência legislativa da Assembleia da República. Esta disposição tem sido interpretada no sentido de que, “o estatuto das autarquias locais abrange, seguramente, [...] as suas atribuições” – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Cons- tituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, agosto de 2010, Coimbra Editora, p. 352. 81. Ora, como resulta da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, às autarquias locais e, no caso, ao município de Lisboa, foram conferidas, por transferência do Estado, atribuições em matéria de transportes urbanos de passageiros e, em concreto, em matéria da gestão das redes de transportes – cfr. artigo 33.º, n.º 1, alínea ee) , da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. 82. Como se salientou acima, o conceito de transferência de atribuições (cfr. Lei n.º 159/99, de 14 de setem- bro) que a lei usou para definir a forma como confiou às autarquias locais as competências no domínio dos trans- portes urbanos impede que se entenda, seja que o Estado manteve para si a titularidade exclusiva de qualquer con- trato, nomeadamente de concessão ou exploração, que tenha por objeto tal matéria, seja que o Estado manteve em relação a ela competências concorrentes com os municípios. É por isso inequívoco que, desde 2013 – nos termos atrás explicitados –, o Estado não é concedente no contrato celebrado em 1949 com o Metro, em virtude de lei da Assembleia da República emitida no uso da sua reserva relativa de competência legislativa. 83. Seria certamente possível que a Assembleia da República alterasse, por sua iniciativa, o regime legal e alte- rasse, por essa via, a titularidade da posição jurídica de concedente no contrato de 1949, como o fez aliás várias vezes nos últimos 40 anos, e seria certamente possível que o Governo o tivesse feito por intermédio de decreto-lei autorizado nos termos de autorização legislativa que tivesse solicitado à Assembleia da República. No entanto, o Governo não solicitou à Assembleia da República qualquer autorização legislativa para modificar o estatuto das autarquias locais e, deste modo, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 175/2014, de 5 de dezembro, incorre em incons- titucionalidade orgânica, na medida em que altera as atribuições municipais, no caso, do município de Lisboa, em matéria de transportes urbanos de passageiros em sistema de metropolitano ao transferir implicitamente para o Estado a posição de concedente no contrato assinado em 1949. 84. Com efeito, não é possível interpretar o artigo 8.º do diploma em causa senão no sentido de que, através dele, o Estado quis afirmar que lhe cabia a posição de concedente no contrato de 1949, na sequência aliás do sentido inequívoco do preâmbulo do diploma – cfr. o seu penúltimo parágrafo, onde é afirmado justamente que o Estado detém a posição de concedente no contrato em vigor com o Metro. 85. Ora, é manifesto que tal afirmação e estatuição só podem ter fundamento na existência prévia de atribui- ções do Estado, mesmo que concorrenciais com outros órgãos da Administração, na matéria regulada pelo contrato em causa. 86. No silêncio da lei, deve presumir-se que a competência para explorar e gerir, ainda que sob a forma de concessão, uma certa atividade económica ou um certo serviço público cabe ao Estado. 87. Todavia, no caso de matérias com incidência local, é entendimento generalizado, que decorre nomeada- mente do artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que cabem às autarquias locais, por natureza concre- tizada sob a forma de lei, as atribuições e competências para as quais estas se mostrem ser a forma mais adequada de desempenho da função pública em causa, afastando a ideia de que a Administração Local é uma forma de administração especial, situada dentro da administração estadual. 88. A regra parece ser, então, a da existência de um princípio de subsidiariedade que reserva para a adminis- tração central apenas aquilo que as autarquias locais não estão em condições de prosseguir ou, ao menos, a da

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