TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

121 acórdão n.º 39/17 existência constitucional do princípio da universalidade, que pressupõe a competência geral e plena das autarquias para tudo aquilo que, de e por natureza local, não seja pela lei atribuído à Administração Central. 89. Esses princípios constitucionalmente consagrados, inter alia, nos artigos 235.º, n.º 2, e 237.º da Consti- tuição da República Portuguesa, significam, com interesse para o presente pedido, que não pode ocorrer redução das atribuições das autarquias locais, por violação da autonomia local adquirida, salvo em caso de manifesta neces- sidade e proporcionalidade. 90. É neste quadro que a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, transferiu atribuições em matéria de transportes para a Administração Local, isto é, removeu as disposições de leis anteriores que as atribuam ao Estado, consoli- dando essas atribuições, em princípio de forma definitiva, na esfera de atuação dos municípios. E é justamente no quadro da limitação constitucional à redução injustificada das atribuições das autarquias que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estatuiu expressamente que o seu regime não afetava as transferências de atribuições e competên- cias consagradas na lei de 1999. 91. Os princípios que se vêm descrevendo impedem, por natureza também, que se entenda que pode existir uma zona de competências concorrenciais ou simultâneas da administração central e das autarquias locais, que de alguma forma pudesse sustentar a posição do Estado de que é ele o concedente no contrato de 1949 celebrado com o Metro. 92. É que, fundando-se as competências locais no princípio consagrado no artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, de que deve ter certa atribuição ou competência o órgão da administração que esteja melhor colocado, em razão da proximidade territorial, para a desenvolver, não pode, repete-se, por natureza, coexistir a competência do órgão territorialmente apto com a de outro, territorialmente inapto. 93. Assim é que, desde 1999, e na ausência de lei da Assembleia da República que, com fundamento na neces- sidade e na proporcionalidade, tenha alterado o regime de atribuições e competências em matéria de transportes, essa atribuição se deve ter por exclusivamente confiada, no caso, ao município de Lisboa. 94. Nessa medida, a estatuição, no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 175/2014, de 5 de dezembro, de que é o Estado o concedente no contrato celebrado em 1949 com o Metro, para além de violar o artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da Constituição da República Portuguesa, viola ainda o princípio da proibição da redução das atribuições das autarquias locais sem verificação da sua necessidade e da proporcionalidade da redução efetuada, uma vez que o diploma é absolutamente omisso no que se refere a tal invocação, encontrando-se, nessa medida, ferido de incons- titucionalidade material. 95. É que, como bem se compreende, a definição do Estado como concedente, ainda por cima numa relação concessória exclusiva e que o diploma do Governo mantém como tal, representa, de facto, também neste caso, a ablação das atribuições da CML em matéria de transporte urbano em sistema de metropolitano, pelo período previsivelmente longo, em que o contrato celebrado com o Metro ainda vigorará. 96. Por outro lado, a identificação do Estado como concedente tem um outro efeito, que convoca nova incons- titucionalidade material das regras em apreço. 97. De facto, como é absolutamente óbvio, não seria possível ao Metro desenvolver as atividades nele conces- sionadas sem utilizar o domínio público, nomeadamente com escadas de acesso e de emergência e respiradouros, situados nos passeios, com os próprios túneis e estações subterrâneas e com os viadutos e estações construídos à superfície, inscritos sob ou sobre as próprias estradas e ruas do município. 98. Nos termos da Constituição da República Portuguesa, as autarquias locais são titulares de bens do domí- nio público (cfr. artigo 84.º, n. os 1 e 2), “designadamente, [das] estradas e caminhos municipais, [das] ruas, [das] praças, [dos] jardins, [dos] espaços verdes [...]”, conforme fixou o Parecer Homologado do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 26/2006, publicado no Diário da República , II Série, de 8 de agosto de 2006, pp. 14.317 e seguintes. Como aliás também esclareceu o referido Parecer, a noção de estradas, constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa, “abrange todas as vias públicas, desde os caminhos municipais às autoestradas, incluindo as suas obras de arte (pontes, viadutos, etc.) e [...] deve ser enten- dido como uma universalidade, de forma a englobar também passeios, plantações, muros de sustentação, sinais de

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