TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

129 acórdão n.º 39/17 B. Questões de constitucionalidade Reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República – Estatuto das autarquias locais 12. Os requerentes alegam que, como resulta da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, às autarquias locais e, no caso, ao Município de Lisboa, foram conferidas, por transferên- cia do Estado, atribuições e competências em matéria de transportes urbanos de passageiros e, em concreto, em matéria da gestão das redes de transportes [alínea e) do n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro]. Defendem que o conceito de «transferência de atribuições» que a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, usou para definir a forma como confiou às autarquias locais as competências no domínio dos transportes urbanos impede que se entenda, seja que o Estado manteve para si a titularidade exclusiva de qualquer con- trato, nomeadamente de concessão ou exploração, que tenha por objeto tal matéria, seja que se entenda que o Estado manteve, em relação a ela, competências concorrentes com os municípios, sendo, por isso, inequí- voco que, desde 2013, o Estado não é concedente no contrato celebrado com o Metro, em virtude de lei da Assembleia da República emitida no uso da sua reserva relativa de competência legislativa. Consideraram os requerentes que, assim sendo, e estando a matéria referente ao estatuto das autarquias locais, que abrange as suas atribuições, integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, como resulta da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não tendo o Governo solicitado à Assembleia da República qualquer autorização legislativa para modificar o estatuto das autar- quias locais, a norma impugnada incorre em inconstitucionalidade orgânica, na medida em que altera as atribuições municipais, no caso, do Município de Lisboa, em matéria de transportes urbanos de passageiros, ao transferirem implicitamente para o Estado a posição de concedente. Sucede, todavia, que a linha argumentativa do requerente, que leva pressuposta a identificação do Muni- cípio como primitivo titular da posição de concedente, não colhe, já que, independentemente da prévia titularidade da qualidade de concedente por parte do Estado ou do Município, o que importará saber é se o legislador podia, com a norma impugnada, identificar o Estado como concedente, nos moldes em que o fez, por Decreto-Lei não autorizado. 13. A questão de constitucionalidade que os requerentes colocam obriga a saber se através da norma impugnada o Governo legisla sobre o estatuto das autarquias locais, caso em que, verificando-se inovação no regime estipulado, então, a norma estaria ferida de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que o Governo não foi autorizado a legislar sobre tal matéria. Mas, para que se proceda a essa avaliação, será indispensável começar por verificar se o ato legislativo em causa efetivamente dispõem sobre matérias que a Constituição considera que são, por natureza, de exclusiva incidência local. De acordo com o disposto na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, é da exclusiva com- petência da Assembleia da República legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais, salvo autorização ao Governo. Incluída no estatuto das autarquias locais, e portanto sujeita à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, está a regulação das atribuições das autarquias locais e das competências dos seus órgãos (cfr., neste sentido, a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 329/99 e 377/99; na doutrina, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constitui- ção da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra, 2010, p. 332 e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra, 2007, p. 454). É, desde logo, manifesto que a norma impugnada não estatui sobre as atribuições e competências das autarquias locais em geral nem, em especial, sobre as atribuições do Município de Lisboa e as competências dos seus órgãos. O que ela faz é, simplesmente, identificar o Estado como concedente de um serviço público de transportes de passageiros e, implicitamente, como detentor das competências relativas à contratualiza- ção desse serviço público. Independentemente da interpretação que possa fazer-se do contexto normativo

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