TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

130 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL anterior, certo é que desta norma não resulta mais do que a mera identificação do Estado como concedente, sem que delas resulte a atribuição desse poder, que vem já pressuposto. Não dispondo a norma impugnada expressamente sobre atribuições do Município de Lisboa ou relati- vamente às competências dos seus órgãos, só poderia falar-se em afetação do estatuto das autarquias locais, e, portanto, em violação da reserva de competência legislativa, se a norma estabelecesse a intervenção do Estado numa matéria que estivesse necessariamente ao cuidado dos órgãos daquela autarquia local, por estar abrangida pela garantia constitucional da autonomia local. Ora, independentemente da análise do quadro jurídico que regulava o serviço público de transportes em causa e a sua contratualização, antes da entrada em vigor da norma impugnada, a verdade é que a matéria relativa ao serviço de transporte público coletivo de passageiros não é, sequer, matéria de exclusiva incidência local, por opção constitucional, como adiante se desenvolverá. E assim sendo, não pode considerar-se neces- sariamente incluída no estatuto das autarquias locais. Em suma, ao identificar o Estado como concedente nos contratos relativos à concessão acima enun- ciada, a norma impugnada não versa, sequer, sobre matéria de exclusiva incidência local, que devesse, neces- sariamente, ficar ao cuidado das autarquias locais. E, assim, nada impediria que, mediante decreto-lei não autorizado, o legislador previsse a mera identificação do Estado como concedente. Daqui decorre que a norma impugnada, que não tem o alcance que os requerentes lhe atribuem, não transgride a regra da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estabelecida na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Conclui-se, assim, que não se verifica o pressuposto que daria efetividade de sentido à questão de incons- titucionalidade orgânica suscitada pelos requerentes. Princípio de «proibição da redução injustificada das atribuições e competências das autarquias locais» 14. Por considerarem, na sua estratégia argumentativa, que estas são matérias com incidência local, os requerentes alegam que é entendimento generalizado, decorrente, nomeadamente, do artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que cabem às autarquias locais as atribuições e competências para as quais estas demostrem ser a forma mais adequada de desempenho da função pública em causa, afastando a ideia de que a administração local é uma forma de administração especial, situada dentro da administração estadual. Para os requerentes, parece vigorar um princípio de subsidiariedade, que reserva para a administração central apenas aquilo que as autarquias locais não estão em condições de prosseguir ou, ao menos, um princípio de universalidade, que pressupõe a competência geral e plena das autarquias para tudo aquilo que, de e por natureza local, não seja pela lei atribuído à administração central. Defendem que estes princípios, que consideram consagrados, inter alia, no n.º 2 do artigo 235.º e no n.º 1 do artigo 237.º da Constituição, significam, com interesse para o presente pedido, que não pode ocor- rer redução das atribuições das autarquias locais, por violação da autonomia local adquirida, salvo em caso de manifesta necessidade e proporcionalidade. Entendem que foi neste quadro que a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, transferiu atribuições em matéria de transportes para a administração local, isto é, removeu as disposições de leis anteriores que as atribuíam ao Estado, consolidando essas atribuições, em princípio, de forma definitiva, na esfera de atuação dos municípios. É neste quadro da limitação constitucional à redução injustificada das atribuições das autarquias que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estatuiu expressamente que o seu regime não afetava as transferências de atribuições e competências consagradas na lei de 1999. Entendem os requerentes que os mencionados princípios impedem que se entenda que pode existir uma zona de competências concorrenciais ou simultâneas da administração central e das autarquias locais, que de alguma forma pudesse sustentar a posição do Estado de que é ele o concedente pois, fundando-se as competências locais no princípio consagrado no artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de que deve ter certa atribuição ou competência o órgão da administração que esteja melhor colocado, em razão da proximidade territorial, para a desenvolver, não pode, por natureza, coexistir a competência do órgão territorialmente apto com a

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