TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

131 acórdão n.º 39/17 de outro, territorialmente inapto. Assim é que, desde 1999, e na ausência de lei da Assembleia da República que, com fundamento na necessidade e na proporcionalidade, tenha alterado o regime de atribuições e competências em matéria de transportes, essa atribuição se deve ter por exclusivamente confiada, no caso, ao Município de Lisboa. E, nessa medida, a estatuição na norma impugnada de que é o Estado o concedente violaria o princípio da proibição da redução das atribuições das autarquias locais, sem verificação da necessidade e da propor- cionalidade da redução efetuada, uma vez que o diploma é absolutamente omisso no que se refere a tal invocação, encontrando-se, assim, ferido de inconstitucionalidade material. A definição do Estado como concedente, numa relação concessória exclusiva, representaria, de facto, a ablação das atribuições da Câmara Municipal de Lisboa em matéria de transporte urbano em sistema de metropolitano, ao menos pelo período em que o contrato ainda vigorará. Defendem os requerentes que a validade da restrição de faculdades que materializam a autonomia das autarquias locais está dependente da validade da justificação dessa restrição e da observância do princípio da proporcionalidade. Isto é, está dependente da identificação de um fim legítimo que justifique a restrição e da existência de uma relação de proporcionalidade entre a prossecução desse fim e os efeitos jurídicos da norma restritiva da autonomia. Sendo, na presente situação, difícil identificar claramente o fim legítimo que pode justificar a restrição da autonomia das autarquias locais, designadamente do Município de Lisboa, o que dificulta ou impossibilita a aplicação do princípio da proporcionalidade, desde logo invalidando a norma em causa. Os requerentes afirmam que o domínio dos transportes terrestres de passageiros nas áreas metropolita- nas deixou de estar aberto à concorrência do Estado e das autarquias locais, já que a Lei n.º 159/99 e a Lei n.º 75/2013 teriam, em seu entender, conferido essas matérias às autarquias e, por isso, seriam ilegítimas compressões, que afetariam a autonomia local. Defendem que as competências relativas à contratualização dos transportes públicos de passageiros em causa no presente processo devem ser necessariamente entregues a órgãos do município, por serem matérias de incidência local. Ao mesmo tempo, defendem os requerentes que a medida legislativa em causa não passa pelo crivo do princípio da proporcionalidade a que as medidas compressoras da autonomia local estão sujeitas. Enten- dem que não pode ocorrer redução das atribuições das autarquias locais, por violação da autonomia local adquirida, salvo em caso de manifesta necessidade e proporcionalidade, sendo que, neste caso, o crivo é especialmente exigente, tal como é especial a necessidade de fundamentação das medidas, por se tratar da redução das atribuições de uma autarquia local. Trata-se de exigir ao legislador que explicite as razões que fundamentam que se retire a uma autarquia local uma atribuição que antes lhe estava cometida e que essas razões permitam perceber da adequação e da proporcionalidade da medida de ablação. 15. No entanto, também aqui a argumentação dos requerentes não merece acolhimento, desde logo porque, como já se adiantou, a matéria em causa, no domínio dos serviços de transporte terrestre de passa- geiros, é matéria em que estão, simultaneamente, em causa, interesses locais e supralocais. OTribunal já explicitou, por diversas vezes, o seu entendimento sobre o alcance da garantia constitucio- nal da autonomia local, sempre prescrevendo que as autarquias locais prosseguem os interesses próprios da comunidade local respetiva. No recente Acórdão n.º 494/15, afirmou-se o seguinte: «8. A autonomia local é um dos pilares fundamentais em que assenta a organização territorial da República Portuguesa, tal como resulta do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição. (…) As autarquias locais têm como objetivo constitucionalmente traçado a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 2). Também segundo o artigo 3.º, n.º 1, da Carta Europeia da Autono- mia Local, «o princípio da autonomia local pressupõe e exige, entre outros, o direito e a capacidade de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos» (Acórdão n.º 296/13, n.º 14). Entende José de Melo Alexandrino

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