TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

132 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que a garantia institucional da autonomia local, «na fórmula consagrada pelo Tribunal Constitucional federal alemão», é «uma garantia institucional de todas as atribuições enraizadas na comunidade local ou a ela especifica- mente referidas e que a mesma seja capaz de levar a cabo de forma autónoma e sob a sua responsabilidade própria» ( ob. cit. , pp. 83-84). Nas palavras do Acórdão n.º 432/93, (n.º 1.2. e 1.3.), esses interesses próprios das populações: «(…) justificam a autonomia e porque a justificam delimitam-lhe o conteúdo essencial. Eles entranham as razões de proximidade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização. O espaço incomprimível da autonomia é, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e “assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raíz na comunidade local ou que têm uma relação específica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabili- dade própria (...und von dieser örtlichen Gemeinschaft eigenverantwortlich und selbständig bewältigt werden können )” (Sentença do Tribunal Constitucional alemão n.º 15, de 30 de julho de 1958, in Entscheidungen des Bundesverfas- sungsgerichts, 8.º volume, p. 134; cfr., no mesmo sentido, Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional in Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º volume, p. 151). 1.3 – Isso não implica que as autarquias não possam ou não devam ser chamadas a uma atuação concorrente com a do Estado na realização daquelas tarefas. O “paradigma social do Direito” (Habermas) aponta mesmo para uma política de cooperação e de intervenção de todas as instâncias com imediata possibilidade de realizarem as imposições constitucionais.» 16. Acontece que a prossecução dos interesses próprios das populações locais pelas autarquias tem que ser conjugada com a prossecução do interesse nacional pelo Estado. De facto, como o Tribunal Constitucional já afirmou, «como as autarquias locais integram a administração autónoma, existe entre elas e o Estado uma pura relação de supraordenação-infraordenação, dirigida à coordenação de interesses distintos (os interesses nacionais, por um lado, e os interesses locais, por outro), e não uma relação de supremacia-subordinação que fosse dirigida à realização de um único e mesmo interesse – o interesse nacional, que, assim, se sobrepu- sesse aos interesses locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.3.). Como nota André Folque, quando «a autonomia municipal postula interesses próprios e quando se fala na concorrência da dimensão nacional com a dimen- são local, isso não corresponde a uma sobreposição de atribuições. De outro modo, seria preterida a esfera de interesses próprios (art. 235.º, n.º 2)» ( A tutela administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios , Coimbra Editora, 2004, pp. 130-131). Sendo certo que «as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei» (artigo 237.º, n.º 1, da Constituição), é nesse contexto que o legislador deve balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma vasta mar- gem de autonomia. No entanto, ao desempenhar essa tarefa, «o legislador não pode pôr em causa o núcleo essencial da autonomia local; tem antes que orientar-se pelo princípio da descentralização administrativa e reconhecer às autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de com- petências) que lhes permitam satisfazer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais» (Acórdão n.º 379/96, n.º 5.2., e Acórdão n.º 329/99, n.º 5.4.). Assim, na síntese efetuada por Artur Maurício sobre a jurisprudência relativa à garantia da autonomia local: «a autonomia do poder local vem sendo essencialmente concebida como uma garantia organizativa e de competências, reconhecendo-se as autarquias locais como uma estrutura do poder político democrático e com um círculo de interesses próprios que elas devem gerir sob a sua própria responsabilidade» só podendo a «restrição legal desses interesses (…) ser feita com o fim da prossecução de um interesse geral, que ao legislador compete definir, não podendo, de todo o modo, ser atingido o núcleo essencial da garantia da administração autónoma». «Nos âmbitos que considera abertos à concorrência do Estado e das autarquias vem ainda o Tribunal entendendo (…) que são constitucionalmente legítimas compressões da autonomia local, não deixando, contudo, de fazer passar as medidas legislativas ou regulamentares em causa pelo crivo da adequação e da proporcionalidade» ( ob. cit. , pp. 656-657).»

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