TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

133 acórdão n.º 39/17 Sobre o critério de separação entre atribuições e competências do Estado e atribuições e competências das autarquias locais, explicitou-se, ainda, no Acórdão n.º 296/13, o seguinte: «(…) não existe uma separação constitucionalmente estabelecida, estanque e inflexível de atribuições do Estado e das autarquias, fundada numa distinção material rígida entre assuntos locais – que competiriam inteiramente e em exclusivo às autarquias – e assuntos nacionais. Significa isto que «a separação nítida entre a zona dos interesses nacionais e a zona dos interesses locais, como se de dois compartimentos estanques se tratasse, já só subsiste em alguns casos. É errado dizer que desapareceu por completo; mas deixou de corresponder à grande maioria dos casos» (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, 2006, p. 491). Assim, a atual “miscigenação” de interesses implica «uma indispensável divisão de trabalho entre o Estado e as coletividades locais» (J. C. Vieira de Andrade, “Distribuição pelos municípios da energia elétrica de baixa tensão”, in Colectânea de Jurisprudência , ano XIV/I, 1989, pp. 15 e seguintes, em especial, p. 19). […] A autonomia local é, assim, em larga medida, uma autonomia sub legem – o que tem importantes consequên- cias no que respeita à definição e à densificação das atribuições e das competências administrativas das autarquias locais. O âmbito da autonomia administrativa varia em função das opções do legislador democrático, permitindo o acolhimento de diversas formas de articulação entre Estado e autarquias. 48. O reconhecimento de uma margem de liberdade de conformação do legislador na definição do estatuto e regime autárquico não significa, contudo, que seja possível prescindir-se de vinculações jurídico-constitucionais e da ponderação equilibrada dos interesses – locais, regionais e nacionais – em presença, respeitando as exigências que se extraem do princípio da proporcionalidade. Menos ainda, numa matéria abrangida por reserva de lei, na medida em que está compreendida no estatuto das autarquias locais [artigo 165.º, n.º 1, alínea q) , da CRP].» 17. O Tribunal vem assinalando a existência de domínios de atuação que não podem ser atribuídos, de modo exclusivo, às autarquias, pelo que nesses casos se abre um espaço de atuação concorrente entre estas e o Estado, não pondo em causa a autonomia local, a atuação do Estado, ou o ato legislativo que a autorize. Não pode, nestes casos, falar-se de verdadeiras medidas compressoras da autonomia local, já que a própria Cons- tituição retirou estes domínios ao âmbito circunscrito pelo círculo de interesses exclusivamente municipais. A jurisprudência tem reconhecido que existem domínios, entre os quais os da «promoção habitacional, do ordenamento do território, urbanismo e gestão do ambiente» que não podem pertencer em exclusivo às autarquias locais, uma vez que incidem sobre matérias que têm que ser prosseguidas em conexão com o interesse nacional, pelo que devem estar abertas à intervenção concorrente das autarquias locais e do Estado. No Acórdão n.º 432/93, o Tribunal explicitou um entendimento jurisprudencial, já iniciado no Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional (publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º vol., p. 141), que vem sendo seguido desde então – o de que as decisões nestas matérias «não são privativas das autarquias (…) porque respeitam ao interesse geral da comunidade constituída em Estado. Estas matérias transcendem o universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e autorresponsabilidade e que funda a legitimação democrá- tica do poder local». Esta jurisprudência é totalmente transponível para o domínio dos transportes terrestres de passagei- ros, em particular nas áreas densamente habitadas correspondentes às grandes cidades e às respetivas áreas metropolitanas, desde logo por força da sua indissociável ligação aos domínios da promoção habitacional, do ordenamento do território, urbanismo e ambiente. A estreita ligação entre estes domínios é reconhecida pela própria Constituição, que incumbe o Estado, para assegurar o direito à habitação, de programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social [alínea a) do n.º 2 do artigo 65.º].

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