TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O domínio dos transportes terrestres de passageiros, tal como os domínios da promoção habitacional, do ordenamento do território, urbanismo e ambiente, transcende o universo dos interesses específicos das comunidades locais, pois incide sobre matérias que têm conexão com o interesse nacional ou supralocal, devendo estar aberto à intervenção concorrente das autarquias locais e do Estado. Desde há muito que o legislador vem reconhecendo a necessidade de coordenação de políticas nacionais e locais no domínio dos transportes terrestres de passageiros dos grandes aglomerados urbanos, como Lisboa, e das respetivas áreas metropolitanas, assim como tem reconhecido a estreita ligação entre os sistemas de transportes de passageiros, o ordenamento do território, o urbanismo e o ambiente. A necessidade de planeamento global dos transportes coletivos urbanos e suburbanos e de coordenação dos transportes na região de Lisboa, justificativa da intervenção do Estado, foi logo reconhecida pelo legis- lador no Decreto-Lei n.º 346/75, de 3 de julho (serviço público de transportes coletivos urbanos de passa- geiros de superfície na cidade de Lisboa) e no Decreto-Lei n.º 280-A/75, de 5 de junho (serviço público de transporte fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa). Como referem Vital Moreira e Fernanda Paula Oliveira, a propósito do serviço público estadual de abas- tecimento de água na região de Lisboa, cuja gestão foi confiada à EPAL, Empresa Pública de Águas Livres, o «serviço público da água não é o único dos serviços públicos locais tradicionais que em Lisboa foram esta- dualizados, contra o regime geral da sua titularidade municipal. O mesmo sucede com os transportes cole- tivos urbanos, cuja titularidade também cedo foi avocada pelo Estado. Em certo sentido, por efeito da sua dimensão metropolitana e da sua condição de capital e de sede de inúmeros serviços do Estado, a autonomia local do município de Lisboa desde há muito que foi assumindo características muito específicas, que não são partilhadas no resto do País» [“A concessão de Sistemas Multimunicipais e municipais de abastecimento de água, de recolha de efluentes e de resíduos sólidos”, in Estudos de Regulação Pública – I, CEDIPRE, Facul- dade de Direito de Coimbra, Coimbra, 2004, p. 54 (nota 16)]. Mas foi com a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres (LBSTT) que claramente foi afirmado o caráter supralocal e nacional dos transportes terrestres urbanos e locais das áreas metropolitanas, designada- mente na área metropolitana de Lisboa, e a necessária articulação das políticas de transportes com os planos de urbanização e de ordenamento do território. Com efeito, a LBSTT previu um regime especial a que ficam sujeitos os transportes por via terrestre e fluvial nas regiões metropolitanas de transportes, compreendendo cada região metropolitana de transportes uma área geográfica constituída pelo centro urbano principal, no qual se verificam intensas relações de trans- porte de pessoas entre os locais de residência e os diferentes locais de atividade económica, administrativa e cultural, e pelas zonas circunvizinhas, onde podem existir também aglomerados urbanos secundários, que com o centro urbano mantêm relações intensas de transporte, nomeadamente de passageiros em deslocação pendular diária entre os locais de residência e de trabalho. Neste regime, previu-se a instituição em cada região metropolitana de transportes de um «organismo público» com a atribuição de gerir o correspondente sistema de transportes, sendo esse organismo, designa- damente, competente para conceder, autorizar ou contratar a exploração do serviço público de transportes regulares na região. Previu-se, ainda, com vista a regular as bases de funcionamento desses sistemas de trans- portes o estabelecimento de um «plano de transportes», devidamente articulado com os planos de urbaniza- ção e de ordenamento do território. Esta previsão foi concretizada, num primeiro momento, pelo Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de outubro, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 232/2004, de 13 de dezembro, e, depois, pela Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, regime este que estava em vigor quando foi editada a norma impugnada. Com a Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, pretendeu o legislador precisamente dar resposta a um dos «pro- blemas transversais ao setor do transporte de passageiros nas grandes aglomerações urbanas, a saber: a neces- sidade de articulação de políticas públicas com incidência no sistema de transportes metropolitanos, tanto em sede de políticas definidas pela Administração Central, como em sede de medidas definidas pela Admi- nistração Local» (Exposição de motivos da proposta de Lei n.º 214/X, que deu origem à Lei n.º 1/2009).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=