TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

135 acórdão n.º 39/17 No regime desta lei, as Autoridades Metropolitanas de Transportes, autoridades organizadoras de trans- portes no âmbito dos sistemas de transportes urbanos e locais das áreas metropolitanas, tinham atribuições em matéria de planeamento, organização, operação, financiamento, fiscalização, divulgação e desenvolvi- mento do transporte público de passageiros. Em matéria de planeamento estratégico, uma das suas atribui- ções consistia em promover a elaboração do Plano de Deslocações Urbanas (PDU), plano setorial para a mobilidade e transportes que visava promover a integração das políticas de ordenamento do território e de mobilidade, no âmbito das áreas metropolitanas. Regista-se, do que fica dito, que a matéria dos transportes terrestres de passageiros não é “um espaço incomprimível de autonomia” coincidente com os “assuntos próprios do círculo local” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 432/93). Pelo contrário, é uma matéria na qual o legislador deve equilibrar a prossecução do interesse público local com o interesse público supralocal, sendo constitucionalmente admitida a inter- venção concorrente de autarquias locais e Estado. Tal matéria pertence a um domínio reconhecidamente aberto à intervenção concorrente das autarquias e do Estado (veja-se, na matéria do urbanismo, já referida, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/95). A norma impugnada deve ser entendida nesse espaço comum de atuação, estabelecendo uma solução que não desrespeita a autonomia local, numa ponderação que o legislador entendeu ser adequada, num domínio em que, pelas suas características, as soluções não são, sequer, irreversíveis. 18. Por fim, sublinhe-se que, no caso, nunca se trataria da ablação das atribuições do Município de Lisboa em matéria de transportes. Que os transportes são um domínio incluído nas atribuições dos municí- pios, incluído o de Lisboa, é reconhecido, pelo menos, desde o Código Administrativo de 1940, e encontra hoje previsão na alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, não tendo a norma impugnada o alcance de retirar ao Município de Lisboa essa atribuição. E mesmo para quem pudesse defender que, por força da norma impugnada, tivesse lugar qualquer retrocesso quanto a competências dos municípios anteriormente adquiridas, também não poderia falar-se em “redução” de competências que, de acordo com qualquer padrão constitucional, devessem caber, em exclusivo, ao município. Assim, independentemente da interpretação que se fizesse dos dados infraconstitucionais, no que res- peita, em particular, à verificação da existência de uma possível alteração relativa à titularidade da posição de concedente da atividade operacional de transportes, operada pela norma em apreciação, sempre se diria que a Constituição não vedaria uma redução das competências dos municípios, em matéria de transportes. Em suma, não há na Constituição nenhum princípio ou regra de que se infira ser esta uma matéria integrante de um “espaço incompressível da autonomia local”, por respeitar a assuntos próprios do círculo local (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 432/93; neste sentido Alexandrino, José de Melo, “Direito das Autarquias Locais”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV, Almedina, 2010, p. 125). Pelo contrário, como se evidenciou, é a própria Constituição que insere articuladamente a política de transportes nos planos de urbanização que incumbe ao Estado traçar como instrumento de efetivação do direito à habi- tação, numa lógica de intervenção concorrente entre o Estado e as autarquias locais. Não ocorre, assim sendo, qualquer ingerência, constitucionalmente proibida, no âmbito da autonomia local.  O papel das autarquias locais limita-se à defesa de interesses meramente locais. Ora, como se viu, nesta matéria (como noutras: veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 548/97, no mesmo sentido), rele- vam interesses locais e nacionais, pelo que esta incumbirá, de modo concorrente, tanto aos entes territoriais, como ao Estado, de acordo com a opção do legislador. Para justificar a consideração de que a identificação do Estado como concedente pelas normas em causa desrespeitava o disposto no n.º 2 do artigo 237.º da Constituição, seria necessário, pelo menos e desde logo, que se verificasse que os interesses públicos em causa revestiam caráter exclusivamente municipal, que esgotassem o seu efeito no círculo local respetivo, o que não acontece, desde logo, por determinação da própria Lei Fundamental.

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