TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tarifários numa determinada zona geográfica de nível local, regional ou nacional, ou qualquer entidade pública por aquela investido dessas atribuições e competências” 48 . 48 – Com efeito, desde setembro de 2013 que as autarquias locais eram, para todos os efeitos, “autoridades de transportes” de âmbito territorial e desde setembro de 2013 que o Estado deixara de ter essa atribuição e essa competência 49 . 49 – A confusão conceptual assinalada – tanto mais infeliz quanto a nova lei se propunha aprofundar e executar o regime da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro 50 – teve, aliás, expressão noutras normas que são igualmente objeto deste pedido de fiscalização da constitucionalidade e que abrangem os municípios integrados nas áreas metropoli- tanas de Lisboa e do Porto e no “distrito de Coimbra” 51 . 50 – É que, propunha-se, “sem prejuízo de o Estado se manter como autoridade de transportes competente até ao termo do período referido nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 5.º do RJSPTP, no prazo máximo de seis meses, a contar da data da entrada em vigor da presente lei, o Estado deve celebrar acordos ou contratos interadministrati- vos com as comunidades intermunicipais, as áreas metropolitanas ou, quando se trate de serviços públicos de trans- porte de passageiros de âmbito municipal, os municípios, com vista à delegação, total ou parcial, das competências de autoridade de transportes relativas aos operadores a que se referem aquelas alíneas nestas entidades” 52 . Bem se verá que não seria possível ao Estado delegar noutras entidades públicas competências que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, lhe havia retirado e conferido, justamente, às autarquias locais. 51 – Num plano mais fundamental, a consequência da confusão conceptual em que se funda a Proposta de Lei na particular matéria em apreciação neste pedido de declaração de inconstitucionalidade é que o Governo ignorou as consequências jurídicas e constitucionais que o alcance da sua proposta de texto legislativo insofismavelmente impunha. 52 – Não está vedado à Assembleia da República alterar as leis que produz. Deve, porém, fazê-lo nomeada- mente no respeito da Constituição. 53 – Ora, como se viu acima, a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, conferiram às autarquias locais atribuições em matéria de transporte urbano de passageiros e, em concreto, em matéria da gestão das redes de tais transportes 53 , removendo as disposições de leis anteriores que as atribuam ao Estado e consolidando essas atribuições, em princípio de forma definitiva, na esfera de atuação dos municípios. 54 – O conceito de “transferência de atribuições” 54 que a lei usou para definir a forma como operou a referida atribuição impede que se entenda que o Estado manteve competências e atribuições concorrentes com os municí- pios nessas matérias. 55 – É certo que, no silêncio da lei, se deve presumir que a competência para explorar e gerir, ainda que sob a forma de concessão, uma certa atividade económica ou um certo serviço público cabe ao Estado. Todavia, no caso de matérias de incidência local, é igualmente entendimento generalizado que cabem às autarquias locais, por natu- reza e de forma necessariamente concretizada na lei, as atribuições e competências para as quais estas se mostrem ser a forma mais adequada de desempenho da função pública em causa, afastando a ideia de que a Administração Local é uma forma de administração especial, situada dentro da administração estadual. 56 – A regra é a da existência de um princípio de subsidiariedade que reserva para a administração central apenas aquilo que as autarquias locais não estão em condições de prosseguir ou, para alguns, a da existência consti- tucional do princípio da universalidade, que pressupõe a competência geral e plena das autarquias para tudo aquilo que, de e por natureza local, não seja pela lei atribuído à Administração Central. 57 – Não é possível compreender este princípio, claro, sem entender que a autonomia local é, na Constituição da República Portuguesa, um dos princípios fundamentais em matéria de organização do Estado, que o legislador constitucional quis descentralizada, estabelecendo entidades de administração autónoma e não indireta, dotadas de poder político próprio (o poder local) e de personalidade jurídica distinta da do Estado, estruturadas em torno de um território que serve de elemento definidor dos sujeitos de cada autarquia, de individualização dos interesses que estas devem satisfazer e de “elemento de conotação do objeto (pessoas e bens) dos poderes e direitos” 55 que lhes são atribuídos.

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