TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contratuais. Para além de tudo, o regime assim proposto não deixaria de conter ainda mais uma bizarra fixação “a termo” das atribuições e competências do Estado, sem qualquer justificação lógica ou jurídica. 66 – Ora, é manifesto que nenhum contrato administrativo pode, em nenhuma circunstância, alterar ou derrogar a lei: pelo contrário, a sua contradição com lei que entretanto venha a ser aprovada 60 impõe à autoridade pública contratante e à sua contraparte o estrito dever de alterarem o contrato (no caso, alterar a titularidade do contrato) para o tornarem conforme ao novo regime. 67 – A invocação, na “exposição de motivos”, de que o Estado mantinha em junho de 2015 a posição de conce- dente em certos contratos é, portanto, a mera constatação da ilegalidade que o Estado, seja como concedente, seja como acionista das concessionárias em causa, vinha praticando: como fundamento de Lei futura é absolutamente intolerável e juridicamente ineficaz. 68 – Fenecendo, portanto, qualquer argumento de necessidade – que, de resto, também não se poderia des- cortinar numa eventual conveniência ou utilidade de manter vigentes os contratos identificados na Proposta de Lei n.º 287/XII, pois que era manifesta a substituição ope legis da posição de concedente, que decorria da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, e a que as partes (e, logo, o Estado) estavam adstritas, incluindo no quadro da prática dos atos que fossem necessários à sua efetivação de facto, se não se entendesse bastante a substituição ope legis . É forçoso reconhecer, pois, que as normas em causa no presente pedido de declaração de inconstitucionali- dade violam o princípio da proibição da redução injustificada das atribuições e competências das autarquias locais, decorrente dos artigos 235.º, n.º 2, e 237.º, n.º 1, da CRP. 69 – Nem se argumente, contra esta inconstitucionalidade flagrante, que a conformidade daquelas normas com a Constituição poderia encontrar apoio na identificação de uma zona de competências concorrenciais ou simultâneas da administração central e das autarquias locais em matéria de transporte urbano de passageiros. 70 – Por um lado, porque se é certo que a CRP consagra “a existência de uma rede adequada de transpor- tes”, a desenvolver pelo Estado, como uma das dimensões do direito à habitação 61 , não é menos certo que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro – como, nesse particular aspeto, a Lei n.º 52/2015, de 9 de junho – mantém a reserva para o Estado das atribuições e competências em matéria de transporte de passageiros de caráter nacional, como os designados “expressos”, o transporte ferroviário pesado e o transporte internacional 62 , coordenando, de forma feliz, a imposição do artigo 65.º da CRP com o princípio da descentralização. Aliás, a Lei n.º 52/2015, de 9 de junho, é particularmente detalhada na separação das esferas de intervenção do Estado e das autarquias, sendo seu propósito expresso evitar áreas de sobreposição ou de intervenção desajustada e inconstitucional do Estado em matéria de transportes: é esse o motivo expressamente invocado para a eliminação das Autoridades Metropolitanas de Transportes. 71 – Não se pode portanto ler, na CRP ou na Lei n.º 52/2015, de 9 de junho, uma “miscigenação de interesses” em matéria de transportes 63 , se referida à matéria das atribuições e competências para gerir e operar as respetivas redes. 72 – Desde logo porque a jurisprudência do Tribunal Constitucional que é a geralmente invocada em suporte dessa tese se relaciona com matérias, como a da habitação ou da rede rodoviária, que são constitucionalmente atribuídas ao Estado, no primeiro caso, em cooperação ou colaboração ativa com os municípios 64 ou, no segundo, que são cometidas ao Estado no exato quadro que é usado nas atribuições e competências em matéria de transporte de passageiros 65 . 73 – Ainda, porque o interesse geral que justifica a intervenção do Estado, seja a nível normativo, seja a nível regulatório, seja, nos termos adiante explicitados, a título subsidiário ou sub-rogatório, não é afetado pela consa- gração de atribuições e competências exclusivamente autárquicas na gestão, exploração e planeamento das redes de transporte local de passageiros. A prova evidente de que, nem a primeira, nem a segunda formas de interven- ção estatal colidem com as atribuições locais revela-se, aliás, justamente na Lei n.º 52/2015, de 9 de junho, que simultaneamente decorre da atividade normativa do Estado e estabelece o quadro de intervenção regulatória deste, nomeadamente do IMT – Instituto dos Transportes e da Mobilidade I.P., na execução prática das obrigações de transporte público pelos vários operadores, privados, municipais ou estatais.

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