TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

159 acórdão n.º 40/17 princípio de universalidade, que pressupõe a competência geral e plena das autarquias para tudo aquilo que, de e por natureza local, não seja pela lei atribuído à administração central. Consideram que estes princípios, que estariam consagrados, inter alia, no n.º 2 do artigo 235.º e no artigo 237.º da Constituição, significam que não pode ocorrer redução das atribuições das autarquias locais, salvo em caso de manifesta necessidade e de acordo com critérios de proporcionalidade, sob pena de violação da autonomia local adquirida e do princípio da descentralização da organização do Estado. Embora reconhecendo que é a lei ordinária que, em cada momento, define concretamente as atribuições e competências das autarquias locais, sustentam que, em nome da subordinação da lei à Constituição, deva aquela ser fiscalizada à luz da proibição da redução arbitrária do escopo de atuação das autarquias locais, o que não significaria, porém, uma violação do princípio da liberdade conformadora do legislador ordinário. Admitem que teria sido possível que a Assembleia da República legislasse no sentido de eliminar ou alte- rar a atribuição das autarquias locais em matéria de transporte público local de passageiros que decorre da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, mas, para o fazer no respeito da Constituição, teria de, no processo legisla- tivo, identificar as razões de necessidade que justificavam tal opção e adotar regras que, alterando atribuição antes conferida por lei, o fizesse de forma proporcionada, verificando-se que, no caso, nem na “exposição de motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 287/XII, nem no decurso dos debates em Plenário e na Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República se encontra referência a tais razões ou a indicação da proporcionalidade definidora do novo regime. Fenecendo qualquer argumento de necessidade, consideram forçoso reconhecer que as normas em causa violam o princípio da proibição da redução injustificada das atribuições e competências das autarquias locais, decorrente dos artigos 235.º, n.º 2, e 237.º, n.º 1, da Constituição. Entendem, ainda, os requerentes que esta inconstitucionalidade flagrante impede que se argumente que a conformidade das normas com a Constituição poderia encontrar apoio na identificação de uma zona de competências concorrenciais ou simultâneas da administração central e das autarquias locais em matéria de transporte urbano de passageiros, porque, se é certo que a Constituição consagra «a existência de uma rede adequada de transportes» a desenvolver pelo Estado, como uma das dimensões do direito à habitação, não é menos certo que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro – como, nesse particular aspeto, a Lei n.º 52/2015, de 9 de junho − mantém a reserva para o Estado das atribuições e competências em matéria de transporte de passageiros de caráter nacional, como os designados «expressos», o transporte ferroviário pesado e o transporte internacional, coordenando a imposição do artigo 65.º da Constituição com o princípio da des- centralização. Defendem que não se pode ler na Constituição uma «miscigenação de interesses» em matéria de trans- portes, se referida à matéria das atribuições e competências para gerir e operar as respetivas redes, desde logo porque a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que é geralmente invocada em suporte dessa tese, se relaciona com matérias, como a da habitação ou da rede rodoviária, que são constitucionalmente atribuídas ao Estado, no primeiro caso, em cooperação ou colaboração ativa com os municípios ou, no segundo caso, que são cometidas ao Estado no exato quadro que é usado nas atribuições e competências em matéria de transporte de passageiros. Ainda, porque o interesse geral que justifica a intervenção do Estado, seja a nível normativo seja a nível regulatório, não é afetado pela consagração de atribuições e competências exclusiva- mente autárquicas na gestão, exploração e planeamento das redes de transporte local de passageiros. 12. Os requerentes enquadram o raciocínio exposto numa ideia de defesa da autonomia local. Contudo, na matéria em apreço, não estamos perante assuntos que sejam relativos a interesses próprios das populações respetivas, que excluam interesses nacionais. Existe, de facto, uma «miscigenação de interesses», em matéria de transportes públicos. No já referido Acórdão n.º 39/17, foi colocada ao Tribunal questão idêntica à que aqui cumpre conhe- cer, invocando-se aí também a violação do princípio de «proibição da redução injustificada das atribuições

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