TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

16 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade da norma constante do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto que lhe foi enviado para assinatura como Decreto Legislativo Regional, recebido em 23 de fevereiro de 2017, que pretende criar e regula- mentar as carreiras especiais de inspeção de pescas e de agricultura da Região Autónoma da Madeira. 2. O teor da norma é o seguinte: «Artigo 13.º Competências 1 – [...]. 2 – Aqueles que, por qualquer forma, dificultarem ou se opuserem ao desempenho das funções inspetivas a que, por lei, o inspetor esteja obrigado, incorrem no crime de desobediência qualificada previsto na lei penal». IV – OTribunal Constitucional tem entendido, por um lado, que estão incluídas na reserva da Assembleia da República, tanto a criminalização como a descriminalização incluindo, nomeadamente, a passagem de infrações do direito criminal para o direito contraordenacional, e, por outro lado, que as normas penais inovadoras emanadas do Governo que alterem os elementos factuais dos tipos legais de crime previstos no Código Penal ou que não se limitem a reproduzir o conteúdo de normas anteriormente autorizadas pela Assembleia da República, padecem de inconstitucionalidade orgânica, quando o conteúdo da lei de autorização não incluía a delegação no Governo de poder para legislar em matéria penal. V – Contudo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a relação entre a Assembleia da Repú- blica e o Governo – que admite a constitucionalidade das normas penais não inovatórias – não é transponível para o domínio das relações intralegislativas entre o Estado e as regiões autónomas, tendo o Tribunal já considerando que, em matéria penal, as assembleias legislativas das regiões autónomas, porque não são órgãos de soberania (mas apenas órgãos com autonomia político-administrativa), não têm poder para transpor ou para assumir como sua a legislação penal nacional; desta orientação juris- prudencial se deduz que, por maioria de razão, as assembleias legislativas das regiões autónomas não têm competência para alargar o âmbito de incriminação de normas penais estaduais. VI – Do confronto entre o âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República sobre a definição dos crimes e seus pressupostos, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea c ), da Constituição e o conteúdo da norma cuja apreciação foi pedida resulta ser manifesto que esta constitui uma norma incrimi- natória de condutas, expandindo a incriminação da norma quadro (artigo 348.º do Código Penal) a com- portamentos distintos dos nela previstos; quer a interpretação prevalecente da norma seja a de definição de um crime novo ou seja a de cominação de desobediência qualificada, a verdade é que no caso sub judicio , estamos, inequivocamente, no domínio da criminalização – matéria que a Constituição reserva à Assem- bleia da República e veda expressamente às regiões autónomas, por força do artigo 227.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, pelo que a norma em apreciação é inválida, padecendo de inconstitucionalidade orgânica.

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