TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e competências das autarquias locais». Sendo os fundamentos aduzidos no acórdão referido, quanto a esta questão de constitucionalidade, transponíveis para o caso em apreço, cabe aqui recuperá-los. Cumpre começar por salientar, também aqui, que não nos encontramos perante matérias com exclusiva incidência local, o que é absolutamente determinante para a análise de constitucionalidade a empreender. Tendo presente o entendimento do Tribunal Constitucional sobre o alcance da garantia constitucional da autonomia local e sobre o critério de separação entre atribuições e competências do Estado e atribuições e competências das autarquias locais (destacando-se a jurisprudência do Acórdão n.º 494/15, do Acórdão n.º 296/13 e do Acórdão n.º 432/93), salientou-se naquele Acórdão que a jurisprudência do Tribunal tem reconhecido que existem domínios, entre os quais os da «promoção habitacional, do ordenamento do ter- ritório, urbanismo e gestão do ambiente» que não podem pertencer em exclusivo às autarquias locais, uma vez que incidem sobre matérias que têm que ser prosseguidas em conexão com o interesse nacional, pelo que devem estar abertas à intervenção concorrente das autarquias locais e do Estado. No Acórdão n.º 432/93, o Tribunal explicitou um entendimento jurisprudencial, já iniciado no Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional (publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º vol., p. 141), que vem sendo seguido desde então – o de que as decisões nestas matérias «não são privativas das autarquias (…) porque respeitam ao interesse geral da comunidade constituída em Estado. Estas matérias transcendem o universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e autorresponsabilidade e que funda a legitimação demo- crática do poder local». Como aí se explica, «o espaço incomprimível da autonomia é, pois,  o dos assuntos próprios do círculo local», e «assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raiz na comunidade local ou que têm uma relação específica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabilidade própria (. ..und von dieser örtlichen Gemeins- chaft eigenverantwortlich und selbständig bewältigt werden können )» (Sentença  do Tribunal Constitucional alemão n.º 15, de 30 de julho de 1958, in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, 8.º volume, p. 134; cfr., no mesmo sentido, Parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional in Pareceres da Comissão Constitucio- nal, 18.º volume, p. 151). Nos domínios em que estejamos perante «atuação concorrente das autarquias na realização de tarefas constitucionais (...) já não está presente aquela ideia de responsabilidade autónoma na gestão de um universo de interesses próprios que tem que ver com a essencialidade da autonomia. (...)». Esta jurisprudência é, como se considerou, totalmente transponível para o domínio dos transportes terrestres e fluviais de passageiros, em particular nas áreas densamente habitadas correspondentes às grandes cidades e às respetivas áreas metropolitanas, desde logo por força da sua indissociável ligação aos domínios da promoção habitacional, do ordenamento do território, urbanismo e ambiente. A estreita ligação entre estes domínios é reconhecida pela própria Constituição, que incumbe o Estado, para assegurar o direito à habitação, de programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transpor- tes e de equipamento social [alínea a) do n.º 2 do artigo 65.º da Constituição]. O domínio dos transportes terrestres e fluviais de passageiros, tal como os domínios da promoção habi- tacional, do ordenamento do território, urbanismo e ambiente, transcende o universo dos interesses específi- cos das comunidades locais, pois incide sobre matérias que têm conexão com interesses supralocais, interesses gerais da coletividade, por cuja satisfação o Estado, nos termos constitucionais, é (ou também é) responsável, o que lhe outorga título legitimador bastante para uma intervenção conjugada com a das autarquias locais, mesmo no plano da realização de tarefas administrativas, a um nível infraestadual. Também nesta área, não pode inferir-se da garantia institucional da autonomia local a consagração de uma reserva constitucional de competência dos entes autárquicos, de acordo com um modelo de rígida separação entre esferas de interesses e de atribuições, como se fosse identificável (e eficientemente operativa) uma clara e intransponível linha de demarcação entre o que é e não é de relevo local. Pelo contrário, nestas matérias, o modelo é o da interdependência de competências e de ação protagonizada, em comum, pelas

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