TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

161 acórdão n.º 40/17 entidades públicas a quem, em conjunto, cabe satisfazer necessidades básicas da população objeto de direitos fundamentais. É expresso, nesse sentido, o n.º 4 do artigo 65.º da Constituição. E é essa articulação que, desde há muito, o legislador tem procurado estabelecer, reconhecendo a neces- sidade de coordenação de políticas nacionais e locais no domínio dos transportes terrestres e fluviais de passa- geiros dos grandes aglomerados urbanos, em especial de Lisboa e Porto, e das respetivas áreas metropolitanas, assim como tem reconhecido a estreita ligação entre os sistemas de transportes de passageiros, o ordenamento do território, o urbanismo e o ambiente. Na região de Lisboa, a necessidade de planeamento global dos transportes coletivos urbanos e subur- banos e de coordenação dos transportes, justificativa da intervenção do Estado, foi logo reconhecida pelo legislador no Decreto-Lei n.º 346/75, de 3 de julho (serviço público de transportes coletivos urbanos de passageiros de superfície na cidade de Lisboa) e no Decreto-Lei n.º 280-A/75, de 5 de junho (serviço público de transporte fundado no aproveitamento do subsolo da cidade de Lisboa). Mas foi com a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres (doravante LBSTT) que claramente foi afirmado o caráter supralocal e nacional dos transportes terrestres urbanos e locais das áreas metropolitanas e a necessária articulação das políticas de transportes com os planos de urbanização e de ordenamento do território. Com efeito, a LBSTT previu um regime especial a que ficam sujeitos os transportes por via terrestre e fluvial nas regiões metropolitanas de transportes. Neste regime, previu-se a instituição em cada região metropolitana de transportes de um “organismo público” com a atribuição de gerir o correspondente sistema de transportes, sendo esse organismo competente, designadamente, para conceder, autorizar ou contratar a exploração do serviço público de transportes regulares na região. Previu-se, ainda, com vista a regular as bases de funcionamento desses sistemas de transportes, o estabelecimento de um “plano de transportes”, devida- mente articulado com os planos de urbanização e de ordenamento do território. Esta previsão foi concretizada, num primeiro momento, pelo Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de outubro, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 232/2004, de 13 de dezembro, e, depois, pela Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, regime este que estava em vigor quando foram editadas as normas impugnadas. Com a Lei n.º 1/2009, de 5 de janeiro, pretendeu o legislador precisamente dar resposta a um dos «pro- blemas transversais ao setor do transporte de passageiros nas grandes aglomerações urbanas, a saber: a neces- sidade de articulação de políticas públicas com incidência no sistema de transportes metropolitanos, tanto em sede de políticas definidas pela Administração Central, como em sede de medidas definidas pela Admi- nistração Local» (Exposição de motivos da proposta de Lei n.º 214/X, que deu origem à Lei n.º 1/2009). Dentro deste critério geral de articulação, na área dos transportes, entre as esferas de competência do Estado e das autarquias locais, o qual, em perfeita conformidade constitucional, tem sido legislativamente seguido, cabem, seguramente, soluções diferenciadas, de geometria variável, de maior ou menor “peso” e relevo do campo de intervenção atribuído a um ou a outro ente público. Uma vez que os vários estádios da evolução legislativa não estabilizam ou “petrificam” soluções, como as únicas constitucionalmente válidas, em termos de obstaculizar, sem mais, retrocessos no âmbito de competências das autarquias locais anterior- mente adquiridas, não estaria, à partida, vedado ao legislador alargar o domínio de intervenção do Estado – caso se admitisse o significado e o sentido que os requerentes pretendem imputar às normas em juízo. Não há, por isso, que ponderar, neste contexto, a existência de uma redução legislativa de atribuições ou competências próprias das autarquias locais, pelo simples facto de que, no caso, não estamos perante interes- ses próprios e exclusivos das comunidades locais. Assim, independentemente da interpretação que se fizesse dos dados infraconstitucionais, no que res- peita, em particular, à titularidade da posição de concedente da atividade operacional de transportes, sempre se diria que a Constituição não vedaria uma redução das atribuições e competências dos municípios, em matéria de transportes públicos. Contrariando-se a lógica dos requerentes, poderia, até, afirmar-se que, em certa medida, as normas impugnadas reforçam as competências das autarquias locais e das entidades intermunicipais no âmbito dos

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