TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

173 acórdão n.º 41/17 31. O Tribunal Constitucional precisou a sua posição quando abordou a constitucionalidade e legalidade da afetação do produto da sobretaxa de IRS criada pela Lei n.º 49/2011 de 7 de setembro exclusivamente ao Orça- mento do Estado. No Acórdão n.º 412/12 (incorporando quatro processos de fiscalização abstrata, um dos quais, o processo n.º 22/12 foi intentado por este mesmo grupo parlamentar), o Tribunal pronunciou-se no processo n.º 707/11, no sentido de não declarar inconstitucional ou ilegal a referida afetação da receita, por ter considerado que a sobretaxa é na verdade um imposto extraordinário e a receita que proporciona estaria fora do âmbito da apli- cação do artigo 227.º n.º 1 alínea j) da CRP. Fundamentou esse entendimento no facto dela nascer das circunstân- cias excecionais em face da difícil situação económico-financeira do País e no caracter marcadamente temporário, por incidir exclusivamente nos rendimentos de 2011. Explicitando as condições excecionais, o Tribunal refere a finalidade nacional específica que é a aceleração da consolidação orçamental e o cumprimento do objetivo decisivo de um défice orçamental de 5,9% para esse ano. Argumenta ainda o TC com o princípio da solidariedade que não tem apenas uma direccionalidade, obrigando a uma ponderação dos interesses da população do território nacional no seu todo. 32. No Orçamento do Estado para 2013, o artigo 187.º da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro repetiu a solução da lei do ano anterior quanto à sobretaxa, facto que suscitou um novo pedido de fiscalização da constitu- cionalidade, tendo o Tribunal Constitucional mantido a mesma posição, baseando-se nos argumentos aduzidos naquele Acórdão de 2012 (vd. Acórdão n.º 767/13) nada alterando esse entendimento o facto de, na exposição da proposta dessa lei, justificar-se a repetição da medida fiscal com um novo argumento que era a necessidade de repo- sição de remunerações de funcionários públicos (consequente à decisão de inconstitucionalidade dessa redução). 33. Conformada a orientação do tribunal de que há circunstâncias excecionais que justificam medidas legis- lativas que, mesmo não estando na reserva de competência explícita dos órgãos de soberania, o interesse nacional justificaria que fossem adotadas imperativamente para todo o território nacional. 34. Deve assim entender-se, de forma clara, que não é normalmente admissível constitucionalmente que parte da receita proveniente de um dos impostos, cuja receita seja cobrada ou gerada na Região possa reverter para um outro subsetor da administração financeira. Essa possibilidade só será admissível em casos excecionais de relevante interesse nacional. 35. Acresce que o legislador tem a possibilidade de circunscrever a excecionalidade da medida fiscal adotada a determinada circunscrição territorial, não sendo forçoso que ela tenha o âmbito de todo o território nacional. Há assim, na nossa opinião, razões que justificam a excecionalidade da sobretaxa (nomeadamente as que resultavam dos compromissos internacionais do País) e acrescidas razões que devem justificar a amplitude da sua aplicação e a consequente afetação da receita cobrada no território das Regiões Autónomas por causa dessa medida, exclusiva- mente ao Orçamento do Estado. 36. A jurisprudência do Tribunal Constitucional afasta o entendimento de que resultava do texto constitucio- nal a absoluta exclusividade de afetação ao orçamento regional de todas as receitas resultantes de impostos cobrados nas Regiões, mas exige, para que haja uma afetação a um orçamento que não seja aquele que seria normal pela regra da territorialidade, uma justificação da excecionalidade da medida e a demonstração de que essa receita em concreto é essencial para o interesse nacional que se visa atingir. 37. Caso contrário, admitir que por via de lei ordinária a Assembleia da República possa distinguir a afetação de determinada receita fiscal, definindo outro destino de arrecadação, pela via da criação de uma sobretaxa sem razões de excecionalidade atinentes ao interesse nacional, seria permitir o esvaziamento de uma das fontes de finan- ciamento principais das Regiões Autónomas e pressuposto da sua autonomia financeira e orçamental consagrada constitucionalmente. 38. É que ao direito de dispor de receitas próprias, entendido com um direito de titularidade (ou propriedade), corresponde o poder regional de disposição desses montantes envolvendo também a exclusividade de afetação dessas receitas às despesas que entender. Esse é o cerne da autonomia orçamental, também consagrada na alínea p) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP.

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