TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 8. Entende-se que a norma constante do artigo 13.º, n.º 2, do Decreto enviado para assinatura do Represen- tante da República, que aqui está em causa, pretende claramente assumir-se como “disposição legal” para efeitos do disposto no artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal. 9. Consequentemente, e caso o artigo 13.º, n.º 2, do Decreto em análise viesse a vigorar na Região Autónoma da Madeira, aqueles que, por qualquer forma, dificultassem ou se opusessem ao desempenho das funções inspeti- vas a que os inspetores de pescas estão legalmente obrigados, incorreriam no crime de desobediência qualificada, previsto no Código Penal (doravante, “CP”). 10. Está em causa a aprovação de uma norma com natureza legislativa. Com efeito, nos termos do artigo 112.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), os decretos legislativos regionais são atos legislativos, e foi como decreto legislativo regional, provindo da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que o Decreto em causa foi aprovado e enviado para assinatura do Representante da República. 11. A questão central que aqui se suscita diz respeito a saber se a “disposição legal” constante do artigo 348.º, n.º 2, do CP, pode, à luz do disposto na CRP, ser objeto de aprovação pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira ou, numa outra perspetiva, se as regras de reserva e repartição da competência legislativa presentes na CRP não determinam uma leitura mais restrita da expressão “disposição legal”, constante do artigo 348.º, n.º 2, do CP. Vejamos. 12. Nos termos do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP, integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupos- tos, bem como processo criminal”, significando isto que, apenas quando munido de autorização legislativa para o efeito, pode o Governo da República legislar sobre tais matérias. 13. A possibilidade de as Regiões Autónomas legislarem sobre matérias elencadas no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP, coloca ainda outras questões. É sabido, que as Regiões Autónomas podem legislar sobre matérias da reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta. Porém, sobre a matéria em causa (defi- nição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal), não é possível que as Regiões Autónomas sejam sequer autorizadas a legislar [cfr. artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , da CRP]. 14. Posto isto, seria necessária a imediata conclusão pela inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 13.º, n.º 2, do Decreto, em apreço, dado o seu objeto penal, absolutamente vedado à competência do legislador regional. 15. Contudo, sempre se poderia tentar alegar que a norma que constitui objeto do presente pedido de fisca- lização preventiva da constitucionalidade não procede à definição de qualquer crime, pena, medida de segurança ou respetivos pressupostos, nem sequer a qualquer alteração ou adaptação de elementos dessa natureza para o âmbito regional. Por outras palavras, a norma em causa não viria bulir com nenhum aspeto do tipo de crime de “desobediência” ou com a sua qualificação, limitando-se a dar concretização a uma hipótese já normativamente prevista pelo legislador penal, a saber, o preenchimento de uma condição normativa – a existência de uma “norma legal” – para a verificação da qualificação do crime de desobediência. Esta questão já foi apreciada, no passado, pelo Tribunal Constitucional, que a analisou, mutatis mutandis , no Acórdão n.º 187/09, de 22 de abril de 2009. O que estava então em causa (num processo de fiscalização abstrata sucessiva, na sequência do julgamento de incons- titucionalidade da norma em três casos concretos) era uma norma do Código da Estrada que alargava as situações puníveis como crime de desobediência qualificada. Como o Tribunal Constitucional então clarificou, “A razão pela qual o Tribunal, em sede de fiscalização con- creta nas decisões invocadas pelo requerente, julgou organicamente inconstitucional a norma do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, foi o facto de ela ter alargado o âmbito de aplicação da norma que pretendeu substituir, sem que houvesse na Lei n.º 53/2004, de 4 de novembro, que concedeu ao Governo a autorização para proceder à revisão do Código da Estrada ao abrigo da qual foi publicado o Decreto-Lei n.º 44/2005, qualquer referência à possibilidade de o fazer” . (itálico nosso). 16. Neste caso, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da norma objeto por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP, em razão de uma alteração da qualificação de certos factos, de

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