TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 98.º volume \ 2017

19 acórdão n.º 149/17 forma inovadora, com o consequente alargamento da condenação penal como crime de desobediência qualificada, sem que houvesse para tanto autorização legislativa parlamentar. 17. Como esclareceu a Senhora Conselheira Maria João Antunes, na sua declaração de voto junta com este Acórdão, “A reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, em matéria de definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição], abrange necessariamente a opção de inserir determinada incriminação no Código Penal ou, antes, em legislação extravagante. Trata-se de uma opção que o legislador constitucional reservou ao Parlamento, salvo autorização ao Governo, dado o significado político-criminal de uma tal escolha”. 18. No caso ora em apreço, o artigo 13.º, n.º 2, do Decreto, procede à qualificação, inovadora de certas condu- tas como puníveis em sede de desobediência qualificada: dificultar ou obstar ao desempenho de funções inspetivas a que os inspetores de pescas estão legalmente obrigados. Questiona-se então se tais condutas seriam puníveis como crime de desobediência qualificada na Região Autónoma da Madeira. Julga-se que a resposta será negativa, uma vez que tais condutas poderiam até, eventualmente, ser punidas como crime de desobediência (simples), nos termos do artigo 348.º, n.º 1, alínea b) , do CP; mas nunca como crime de desobediência qualificada. 19. Eis porque a norma em causa, alargando o âmbito de incriminação, pode ser considerada inconstitucional, em razão da violação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea c) , e 227.º, n.º 1, alíneas a) e b) , e 228.º, n.º 1, da CRP. 20. Ainda assim, note-se que não é inédita a tentativa de transportar para legislação regional normas penais editadas pelos órgãos de soberania, numa metodologia que tem semelhanças com a situação em apreço. 21. Com efeito, poderia ser tentador argumentar que a norma contida no artigo 13.º, n.º 2, do Decreto ora em apreço, mais não faria do que estender a certas condutas verificadas na Região Autónoma da Madeira um quadro penal já existente a nível do território continental. Tal argumentação seria, como é bom de ver, improcedente, pois o crime de desobediência agravada tem aplicação em todo o território nacional, sendo apenas necessário que a Assembleia da República, ou o Governo mediante autorização legislativa desta, qualifique certas condutas como preenchendo o tipo agravado, para efeitos do artigo 348.º, n.º 2, do CP. 22. O Tribunal Constitucional também já apreciou esta problemática, com considerações úteis para o caso em apreço. Assim, no Acórdão n.º 185/09, de 21 de abril, foi declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma contida no artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de julho, por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea c) , e 227.º, n.º 1, alínea a) , da CRP. 23. Tal norma determinava a aplicação à Região Autónoma dos Açores, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 28.º a 33.º da Lei de Bases Gerais da Caça (Lei n.º 173/99, de 21 de setembro) [2] , Lei esta que, por expressa opção do legislador nacional, se aplicava apenas no território continental e da Região Autónoma da Madeira. 24. Na resposta, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores alegou que “[o] Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de julho, não fere a reserva relativa de competência legislativa consignada na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, porquanto não cria nenhum quadro penal novo. Limita-se a trazer para o edifício jurídico regional a aplicação do regime estabelecido pelo legislador nacional, sem qualquer alteração”. 25. Tal argumento, todavia, não foi aceite pelo Tribunal Constitucional, em termos que se justifica reproduzir: “(…) o artigo 165.º, n.º 1, al. c) , da CRP estabelece que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a “definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal”. [2] O referido artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de julho, dispunha nos seguintes termos: “Artigo 27.º Responsabilidade criminal “1 – Em matéria de responsabilidade criminal, aplica-se à Região, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 28.º a 33.º da Lei n.º 173/99, de 21 de setem- bro, que aprova a Lei de Bases Gerais da Caça. 2 – Às condutas violadoras da preservação da fauna e das espécies cinegéticas previstas no n.º 1 do artigo 6.º e à utilização de auxiliares com fins diferentes dos estabe- lecidos no artigo 24.º, ambos da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, aplica-se, com as necessárias adaptações, respetivamente o disposto nos n. os 1 do artigo 30.º e 1 do artigo 31.º do citado diploma”. Por seu turno, as referidas normas da Lei de Bases Gerais da Caça tipificam diversos crimes relativos ao exercício perigoso da caça (artigo 28.º), ao exercício da caça sob a influência do álcool (artigo 29.º), ao crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas (artigo 30.º), à violação de meios e processos permitidos (artigo 31.º), à falta de habilitação para o exercício da caça (artigo 32.º), e à desobediência (artigo 33.º).

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